
Rua Perdida
Meu pai, não há já a nossa rua
E tudo o que outrora foi, morreu
Sob os aniversários e as fadigas
Dos dias diferentes, repetidos.
Pai, não há a nossa rua
E perdi a lição das cigarras felizes
Na caminhada triste das coisas
Sem nada dentro.
Pai, eu era feliz quando acreditava
Ser feliz.
Quando havia tempo a haver à volta
De mim e de ti, pai indiscutível -
E cigarra, ó cantador optimista,
Ó brinquedo com alma e filhos,
Ó unionista do futebol e dos copos
(Cheio de luz nos berros e nos gestos)!
Não há, pai, agora a nossa rua.
Não há árvores estorvando os carros.
Não há ruídos excessivamente vivos.
Não há poços perigosos no quintal.
A nossa rua é uma inexistência
E o que há dela (se há) é só
O que te digo sobre a rua morta
E sobre o tê-la visto e tido em mim.
A rua de eu estar menino é esta sombra,
Pai, o vulto escondido na lembrança
E a memória do sangue nos meus passos
Morrendo agora por não haver bem um caminho.
É a rua mais triste a nossa rua morta
E o fim da rua foi decerto há muito tempo
Decerto antes do cansaço e do meu futuro
Devindo este agora pequenino.
Ainda me arde nos olhos a rua antiga
(A ideia dela sob e sobre nós)
A rua à tua volta, ébria e santa
Cheia de graça.
Pai que tiravas o pecado ao mundo
E vestias de riso o excesso de seres
(Tudo sem remorsos nem pausas)!
Pai amando-me apesar de tudo!
Pai mentiroso sobre eu ser feliz
(O melhor da rua sem nenhuma dúvida),
Sabias tu já da bruta narrativa -
A rua inexistir-me subitamente?
O melhor da rua, pai?
O melhor, pai, de nada?
Ai, que pena este amor em mim por ela!
Que pena não existir a minha amada!
Ribeira de Pena, 24 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A 1.ª versão deste poema data de 22 de Janeiro de 1997. A imagem-supra foi colhida – com a devida vénia – em http://www.coimbraantiga.blogspot.com.]
2 comentários:
Que e quão bem.
Que e quão generoso!
Abraço.
QJ
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