Bússola do Muito Mar

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terça-feira, 2 de março de 2010

A DEPRESSÃO DAS LARANJAS (16)


A Escrita

Às vezes, Margo, sucede ainda o descobrir-me residente no lugar mais triste do mundo: não estares.
Nesses casos, tento iludir a falta de ti com a memória e o cansaço do meu corpo. Assim é que disciplinadamente relembro os instantes bons e corro ao entardecer.
Injusto é que sobrevenham, a cada passo, os teus olhos preciosos. Que a última imagem de cada construção onírica seja, não o teu corpo celebrando o prazer e a totalidade, mas a tua falta. Que nas minhas corridas pelo quartier burguês descubra que não estás, a cada curva, no meu caminho. E enfim que os meus versos anaeróbicos rumem sempre a esse lado mais fero de todos, o lado nenhum, que é (já disse) não estares.
De modo que – ó doce polaca de há muitos anos antes desta escrita – é neste lugar de não estares que resido, muitas vezes. Lugar mais triste, sublinho, que o caroço das noites.
Digo: resido. Não digo: estou perdido.
- Porquê? (Perguntava a estrela do “Crazy Horse”.)
- Porque, Margo, Te escrevo.
Por isso, apenas.

Ribeira de Pena, já 02 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Trata-se do 16.º texto do volume “A Depressão das Laranjas” (Ribeira de Pena, Ed. Casa de Santa Marinha, 1999). A imagem-supra recorda o cartaz do filme “Love Story” (1970), de Arthur Hiller, com Ryan O’Neal, Ali MacGraw, Ray Milland e Tommy Lee Jones.]

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