Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

domingo, 30 de janeiro de 2011

A Arte do Romance, Mr. Magnorium, etc.



I

Acordo tarde, porque (tão felizmente, tão gloriosamente) é sábado!
Vou à janela e vislumbro, nos fugazes vultos desaparecendo da minha vista, o Frio Maiúsculo do tempo e do lugar. Tempero a brutalidade atmosférica com um café quentíssimo e acrescento à minha gordura invernosa alguns gramas de pão com manteiga. Depois, chega-me às mãos Milan Kundera.
Comprei recentemente A Arte do Romance (Lisboa, Dom Quixote, 2002). É um livrinho maravilhoso sobre o ofício do escritor e, em particular, do romancista moderno. Tinha interrompido a sua leitura em Coimbra (lembrava-me de, ainda nas primeiras páginas, se falar em Musil, um autor que escandalosamente mal conheço). Voltei ao livro, agora, com vagar e gosto.
A meio da página 58, encontro uma preciosidade que tanto me remete para, por exemplo, Júlio Dinis, escritor criticado por alguns porque – aparentemente – esconde em suas narrativas o lado mais negativo da História. Lembra Kundera:
«Um historiador conta-lhe acontecimentos que se passaram. […] O romance não examina a realidade, mas sim a existência. E a existência não é o que se passou, a existência é o campo das possibilidades humanas, tudo o que o homem pode vir a ser, tudo aquilo de que ele é capaz. Os romancistas elaboram o mapa da existência ao descobrirem esta ou aquela possibilidade humana.»
Mais à frente (p. 60), o escritor afirma:
«O romancista não é nem um historiador nem um profeta: é um explorador da existência.»

Ora, eu interpreto esta ideia - como fiz, em tese, à roda dos romances dinisianos – como a assunção de que a História é uma narrativa sempre deficitária da biografia humana: falta-lhe em emoção e olhar ético o que eventualmente lhe sobra em factualidade e estatística. A História, por assim dizer, fala-nos do que a vida é; a literatura fala-nos do que a vida pode(ria) ser – e é essa a acepção que, em mim, toma o sentido kunderiano de existência.

II

Pelas três da tarde, ponho-me a ver um filmezinho comprado em saldos (um Euro e cinquenta e nove cêntimos, salvo erro) - Mr. Magnorium’s Wonder Emporium (2007), que teve por título português O Maravilhoso Mundo dos Brinquedos. O argumento e a realização são de Zach Elm e os actores principais são Dustin Hoffman e Natalie Portman.
A história fala da importância de, para haver magia, termos de acreditar na possibilidade da magia. Ou, dito de outro modo, defende a ideia de o sonho depender, antes de mais, da capacidade de sonhar. Mais: de acordo com a retórica (muito menos ociosa do que parece) de Zach Elm, o tamanho do sonho depende obrigatoriamente do tamanho da alma sonhadora.
Quase no final da narrativa, a personagem Mr. Magnorium explica a uma jovem de vinte e poucos anos a sua lição fundamental sobre a vida: “Life is an occasion. Rise to it!”
[Traduzo livremente: “A vida é uma grande possibilidade. Ergue-te à sua altura!”]

III

Sábado deve terminar com testes de Francês, actas e planificações. A minha vida (e a da MP) está cheia de anti-clímaxes.

Ribeira de Pena, 29 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O Império do Sol


Fundei, com alunos do meu 9.º C, um círculo literário. Chamámos, a esta espécie de Clube de Poetas Mortos hodierno, “Arco de Leitores”. Uma vez por semana, reunimo-nos para falar de livros, pintura, fotografia, filmes; para entrevistar personalidades (um professor, uma funcionária, um aluno, talvez até um escritor); e para, enfim, partilhar preferências e criações.
Todas as semanas há um tema nuclear para, em casa, prepararmos a sessão seguinte. Na última 6.ª feira, o tema proposto foi “Um filme que me impressionou”.
Para quem já é razoavelmente velho, torna-se difícil escolher um objecto assim. Mas eu cumpro, de sete em sete dias, a minha obrigação e, à semelhança dos colegas do círculo, não deixo de responder ao desafio.
Entre tantos, busquei na minha memória O Império do Sol, de Spielberg (realizado em 1987).
Pelos passos de um rapaz ocidental, perdido de seus pais, algures na grande China, durante a Segunda Guerra Mundial, aprendemos muito sobre a Vida, a Morte, o Amor, o Sonho, as Saudades, o Medo, a Beleza e o Horror.
Quase no final do filme, um soldado japonês chama a esta juvenil personagem, sempre cheia de energia e de curiosidade (sensível, corajosa, impertinente), “difficult boy”.
Ainda hoje me parece uma das mais competentes definições de Poesia que jamais se produziram.
A Poesia é, meus irmãos, uma espécie de rapaz complicado.

Arco de Baúlhe, 27 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Taking Woodstock



Continuo a alimentar-me de livros e filmes em hipermercados. Por escandalosos noventa e nove cêntimos, trouxe da Worten (de Coimbra) um filme de Ang Lee, Taking Woodstock (2009). Soube, pelas informações da capa, que se baseia num romance de Eliot Tiber. Visionei-o na noite de 25 de Janeiro, noite fora, e adormeci com a ideia muito formosa de que todos temos um (pelo menos, um ) 1969 assim nas nossas vidas.
Ao contrário do que seria expectável, a história assenta pouco no fenómeno estritamente musical que ocorreu então. Apresenta-nos a biografia até aí medíocre de um casal de imigrantes e, em especial, de seu filho, jovem adulto, decorador de interiores, discretamente homossexual, a viver na periferia de Nova Iorque.
O casal tem um motel que quase ninguém frequenta e está afogado em dívidas à banca. O rapaz tem sonhos que, por amor aos pais, adia ou reprime, numa resignação silenciosa e aqui e ali divertida…
Nos jornais, surge a notícia de um festival de música ao ar livre, anunciado para localidade vizinha daquela onde está o motel. A câmara anfitriã do festival recusa, contudo, a realização do evento, devido à repugnância que a previsível visita de milhares de hippies desperta na população rural. O jovem decorador de interiores vê nessa circunstância a possibilidade de inscrever a terra onde vive no mapa dos grandes acontecimentos. Contacta a organização, oferecendo-lhes aquela alternativa.
De um dia para o outro, a localidade é invadida por muitos milhares de pessoas, sobretudo jovens, que encontram naquele espaço silvestre uma hipótese de paraíso provisório, livre de todas as convenções e de todas as regras. Como flores de S. Francisco, cresce por aqueles campos a fruta do Amor. Pelo meio, há a poesia, o grito contra a guerra do Vietnam, as canções, a arte - e o acesso a variadíssimas drogas, que contribuem para uma ilusão de céu que invade as ruas, as casas e as almas da humanidade aí presente.
O filme edifica uma espécie de mágica presentificação daquele tempo e daquele lugar. As roupas, o parque automóvel, a música, a linguagem – eis 1969 regressado e tão verosímil!
Diz-se, como piada, que quem esteve em Woodstock não pode dizer como foi porque não se lembra. Mas Ang Lee (à boleia, decerto, de Eliot Tiber) diz-nos – pelo menos – como pode ter sido. Como deve ter sido.
O Diabo inventou o caos. Mas há homens, iluminados por Deus, que vão inventando a narrativa.

Arco de Baúlhe, 26 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sobre o Amor (com orações subordinadas condicionais)


Amor não há feito, é preciso fazê-lo.”
(Alexandre O’Neill, citado muito de memória…)


Se o encontrares, di-lo.
Se o perderes, chora-o.
Se o souberes, explica-o.
Se o sentires, canta-o.
Se o quiseres, fá-lo.

Ribeira de Pena, 25 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem que ilustra o textinho é a de uma edição de Decameron, do grande Boccaccio.]

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Precaução Inútil


Li hoje um pequeno romance (104 páginas) intitulado Precaução Inútil, de Paul Scarron, escrito na segunda metade do século XVII (Lisboa, Ed. Teorema, 2004, tradução de Honório Marques). Custou-me (adivinhais?) um Euro.
O livro fala da demanda de um homem (Dom Pedro) pela mulher ideal. “Ideal”, no estreito horizonte mental da personagem, seria que jamais o traísse. Ao que se sabe, a história inspirou Molière (que nela se terá baseado, em parte, para a escrita de A Escola de Mulheres) e Beaumarchais (para a escrita de O Barbeiro de Sevilha).
No caso de Precaução Inútil, o título dá antecipadamente conta dos vãos esforços do demandante. A verdade é que Paul Scarron deveria ter conhecimento de causa quando falava do tema. Segundo se julga, a própria esposa experimentou, ao longo do casamento, os braços promíscuos de Sua Majestade Louis XIV.
Mas a narrativa vai muito para além da anedótica questão da fidelidade ou das humanas convenções em geral. Trata da condição da mulher e discute, pela via do exemplum, as vantagens e desvantagens da inteligência feminina.
Como Dom Pedro percebe, no final da história, não há no mundo virtude perfeita porque, falando-se de mulheres ou de homens, a imperfeição é parte da nossa condição (e mesmo a ideia de virtude não é pacífica). Percebe-se também que a estupidez, por muito simpática que se afigure, é sempre incompatível com a ideia de honra, visto que não há princípios e valores dignos de apreço sem inteligência que os perceba.

Nota importante: Juro, pela minha saúde, que é coincidência eu falar em tal (traição, estupidez, etc.) num dia de eleições presidenciais.

Coimbra, 23 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sábado perfeitinho



1.
Coimbra, enfim.
Acordo lá pelas onze e meia e acrescento-me o direito de mais um pouco de aconchego talâmico.
Depois, sinto o cheiro mágico do café com que a MP enche a casa e saboreio uma chávena de vida à frente da televisão, com pão e manteiga, jornais na net e duas ou três séries da Fox.
Modorra curtida, digestão feita, equipo-me e obrigo-me aos abdominais do costume. Sigo para o Choupal, a seguir, onde castigarei o corpo por aproximadamente 35 minutos.
Pelo caminho, beijo a Mãe, sei de novas e recolho correio.
Corro com vagares de quarentão maduro, regresso a casa, tomo banho, alimento-me.

2.
No resto da tarde, estou com Han-Shan, poeta chinês que terá vivido no século VII. O livrinho chama-se O Vagabundo do Dharma – 25 Poemas de Han-Shan (Lisboa, Ed. Cavalo de Ferro, 2003). Segundo Jacques Pimpaneau, seu tradutor para o francês, o autor “foi uma espécie de hippy do seu tempo”. Entre outros, Jacques Kerouac (o génio de On the Road) reconheceu-lhe a importância e o cariz revolucionário. É ainda Pimpaneau que explica o fascínio da geração beatnick como uma espécie de reacção a algum materialismo ocidental: as pessoas buscavam para as suas vidas um estado “zen”, isto é, queriam “reencontrar uma certa liberdade natural, torcer o pescoço à lógica e suas vantagens para escapar aos seus limites”.
Ana Hatherly traduziu Han-Shan do francês para o português e lembra que, no caso do poeta oriental como no caso dos ocidentais da primeira metade do século XX, se percebe um certo ideal de “marginalidade”, “associado a uma demanda espiritual intelectualizada”.
Em poemas muito curtos, o que encontramos, com efeito, é esse olhar estrategicamente marginal sobre a vida e a morte, sobre o lugar do eu no avulso cosmos, sobre a procura de uma unidade bela (que não é senão – segundo percebi – a soma viva de tudo quanto seja possível alcançar).
À semelhança do que lemos em Caeiro e em algum Ricardo Reis, cruzamo-nos com a Serenidade e a Doçura por um instante perfeitas. Menos do que aquilo, seria a morte; mais do que aquilo, seria ruído.

3.
Ofereço-vos alguns dos meus versos preferidos de O Vagabundo do Dharma:
“Meu coração lua de Outono / Verde lago brilhante imaculado puro // Não pode haver comparação / Ensina-me a dizê-lo.” (P. 30)
“No meu lar o que há? / Só um leito de livros” (P. 44)
“A vida humana não chega a cem anos / Muitas vezes tem mil anos de desgosto // Mal começamos a melhorar de uma doença / Logo nos consumimos por causa de um filho ou de um neto // Baixamos os olhos para a terra onde cresce a raiz do cereal / Erguemos o olhar para o cimo da amoreira // Quando a Balança cair no Mar da China / Chegando ao fundo começamos a saber parar” (P. 48)
“Ou eu tenho um corpo ou não tenho / Ou sou eu ou não sou eu // Assim meu pensamento se interroga e calcula / O tempo passa docemente: fico sentado encostado à falésia // Entre os meus pés as verdes ervas crescem / Sobre a minha cabeça a poeira vermelha cai // Já vejo homens comuns / No meu leito de morte deporem vinho e fruta” (P. 50)
“Lembro-me daqueles que outrora encontrei / Célebres em lugares que já percorri // […] Como saberia eu que sob um pinheiro / Abraçando os joelhos sentiria o frio chicote do vento?” (P. 52)
“A vida humana situa-se na agitação da poeira / Exactamente como um insecto no meio de uma bacia // O dia todo avança girando girando / Não sai do meio da bacia // Os imortais não podem ter / Preocupações planos sem fim // Anos meses são como água que corre: / De repente está-se velho” (P. 58)
“Vós olhais as flores no meio das folhas: / Quanto tempo de bom podem elas ter? // Hoje temem que alguém as colha / Amanhã aguardam que alguém as varra // Cativantes os entusiasmos do coração / Após vários anos envelhecem // Comparado com o mundo das flores / O fulgor do vermelho como o conservar?” (P. 60)

4.
De lá longe (do século VII e da China profunda) chega-me assim esta surpresa. Custou-me 1 Euro, no Jumbo de Vila Real. E, já agora, serve para confirmarmos o quanto nos falta(ria) sempre conhecer, apesar dos mil quilómetros já lidos. Na literatura, na vida…

5.
O dia termina em família: irmãos, sobrinhos, cunhados. Sábado, modéstia à parte, perfeitinho.

Coimbra, 22 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

Ortodependências (Fábula)


Cheia de boas intenções, o professor de Área de Projecto desafia os alunos a colocarem, nos lugares da cidade mais publicamente associados ao tráfico de droga, um cartaz combatendo o flagelo. A ideia é aconselhar os jovens frequentadores dessas zonas a deixarem o vício.
À entrada do bairro mais perigoso da urbe, um adolescente cola rapidamente uma cartolina branca no vidro lateral de uma cabina telefónica e foge dali a correr. Quem se aproximasse poderia ler a mensagem inscrita: “NÃO À DROGA!”
Horas depois, chega um toxicodependente. Com ar impaciente, procura o dealer. Lembra-se de telefonar. No bolso sujo, busca moedinhas, depois chega-se à cabina. A cartolina desperta a sua atenção. Lê o texto e exclama, furioso:
- Porra! É a segunda vez! Já ontem foi a mesma coisa! Vou começar a comprar noutro sítio, meu…
E vai-se embora.
Não sei se haveis percebido o ruído comunicacional desta história talvez verdadeira: o drogado percebeu da mensagem que não Havia droga. Com agá.
A ortografia tem, pois, a sua importância…

Coimbra, 22 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.telefonica.net.]

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Amor, isto é, Sol (e vice-versa)


É a Luz que separa o reino da Noite do reino do Dia.
Porque tudo começa nesse milagre chamado Luz.
É também por isso que o sentido da palavra Luz é tão grande e tão lindo.
E é ainda por isso que, mesmo se dita na sua acepção física, a palavra Luz se parece com uma metáfora ou uma hipérbole.
Assim, não te admires, amor, que diga à tua passagem, aquecido e iluminado como um arbusto simples, "Bom dia, sol".
"Bom dia, sol" é como se dissesse "Bom dia, amor".


Ribeira de Pena, 21 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Pintura de Claude Monet ("Impressão do nascer do sol") colhida na Wikipedia.]

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

SPORTING CLUBE DE NÓS


Raciocinar sobre o futebol obriga a – perdoai o paradoxo – que nos deixemos tomar pela emoção e pelo sentimento. Dito isto, deixai que desabafe: o meu Sporting é grande e o treinador é demasiado pequeno para a dimensão da nau verde-branca.
Eu, por exemplo, conduzo uma carrinha de marca Nissan Primera. A minha competência está ao nível (utilitário) desse veículo. Talvez gostasse de conduzir um Ferrari ou um Porsche, mas provavelmente essas máquinas ficariam em perigo e os transeuntes também. Está a perceber, Paulo Sérgio? De cada um segundo as suas capacidades, poderia dizer o velho Marx…
O treinador Paulo Sérgio, se se apanha a ganhar, pede a Deus que o jogo acabe rapidamente. Já me envergonhei, perante portistas e benfiquistas, com substituições borradinhas de medo – o Saleiro e o Zapater, coitados, entram muitas vezes em jogo durante o período de descontos, apenas para roubar uns segundos a poderosos oponentes como a Académica ou o Leiria.
Quando, em determinada altura da partida, um treinador retira um avançado e opta por um defesa (sai Liedson ou Postiga, entra Nuno André Coelho), que sinal dá aos seus jogadores e, sobretudo, ao adversário?
O defeito de ler mal o jogo é já suficientemente mau. Mas igualmente na preparação do plantel se nota bem a qualidade (ou falta dela) do treinador. O Sporting já tinha Pedro Mendes; foi ainda buscar Maniche, André Santos e Zapater. Defender, defender, defender! Aliás, com engenharia digna de estudo, este mister já conseguiu jogar com todos simultaneamente – e mesmo assim a equipa sofre golos.
Ao contrário de Paulo Bento que foi conseguindo, sem ovos de grande qualidade, confeccionar dignas omoletes, Paulo Sérgio tem bons laterais (melhores, por exemplo, do que os do F.C. Porto), tem um grande “trinco” (André Santos), mantendo-se na equipa os médios e avançados que pontificavam nas épocas anteriores.
Explicar o insucesso desportivo com Bettencourt e Costinha ou Couceiro é injusto e errado. O Sporting não tem um treinador à altura da equipa e do clube, e isso nota-se muito. Paulo Sérgio conseguiu matar Saleiro, vulgarizar Liedson, amedrontar equipa em geral, moralizar adversários. Sei que não é por mal, obviamente; mas é isso que, na verdade, acontece.
Paulo Sérgio tem melhor gramática que Jorge Jesus e melhores modos que Villas-Boas. Mas falta-lhe o espírito positivo (ofensivo) do técnico das águias e a ambição do jovem treinador dos portistas. Reconheço no provisório timoneiro do Sporting a vontade de fazer bem e a convicção com que assume as suas f(r)ases. Lá discurso tem ele! (Se é assim a perder, como seria a ganhar…)
Mas – reitero – deveria ser dada a Paulo Sérgio uma tarefa à dimensão de Paulo Sérgio: Naval, Paços de Ferreira, Nacional, talvez (até) o Braga. Mais, não. É natural que não se queira demitir, mas isso resolve-se com indemnização (mais uma).
Mediania por mediania, ao menos que venha um sportinguista, como – por exemplo – Manuel Fernandes, esse tão mal tratado leão. Quando o Vitória de Setúbal eliminou o Sporting,na Taça, a sensação que tive, ao longo de noventa minutos, foi a de que os treinadores estavam trocados.
Bem sei: nós nunca poderemos ser o “maior” clube português; esse clube é fatalmente, pelo menos por enquanto, o Benfica. Mas poderemos ser o “melhor” (ou ser um dos melhores), n’est-ce pas?
Amen.


PS: Já agora: gostava que Rogério Alves fosse presidente do Sporting.

Arco de Baúlhe, 20 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.sportinguistascentenario.com]

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Statu Quo & Quid Pro Quo


José Sócrates, ao que parece, já reiterou a intenção de - apesar do país - se manter primeiro-ministro, com ou sem FMI. Aliás, reiterou também a intenção de - apesar do PS - se manter como secretário-geral.
Cavaco Silva candidata-se à reeleição para o cargo de presidente da República. Sobre o estado actual do país, explica ao povo que o seu papel não é o de governar, logo, não tem culpa. Por outro lado, com vista à sua reeleição, adianta que afinal é possível exercer uma "magistratura activa" e obrigar o país a entrar nos eixos.
Como se vê, a Política em Portugal não tem muito a ver com decoro ou coerência. (Decoro e coerência são a dupla face de um substantivo em extinção nesta Europa muito liberal e globalizada - a decência.)
Caros amigos, despedi-vos de todas as dúvidas: o celibato da Culpa, em Portugal, é um inamovível (i-na-mo-ví-vel) dogma.

Arco de Baúlhe, 18 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.sapo.pt.]

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Estar - Ir - Ser


Destes montes um rio sai -
Passa a caminho do mar.
O lugar p'ra onde vai
É onde eu queria estar.

Ribeira de Pena, 16 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

Lobo(s)


A MP comprou na Natura alguma roupa que aqui não importa referir.
No exterior do saco das compras, há um texto não assinado (que, em boa verdade, lembra fórmulas de Paulo Coelho & derivados). Trata-se de uma narrativa.
Como estou habituado a ver sinais sobre mim nos mais ínfimos aspectos do quotidiano, detenho-me na história. Reza assim:
«Um velho índio estava a falar com o seu neto e contava-lhe:
- Sinto-me como se tivesse dois lobos lutando no meu coração. Um é um lobo irritado, violento e vingativo. O outro está cheio de Amor e compaixão.
O neto perguntou:
- Avô, qual dos dois ganhará a luta no seu coração?
O avô respondeu:
- Aquele que eu alimente.»

Desvio a atenção do saco da Natura para dentro de mim - e interrogo-me agora, por estas avenidas do Dolce Vita, sobre o lobo que eu próprio venho alimentando…

Vila Real, 16 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

domingo, 16 de janeiro de 2011

Eternidade de ocasião


Por um Euro, adquiri A Preço de Ocasião, um romance de Isabel Fraga (já agora, filha de Urbano Tavares Rodrigues). É uma narrativa enxuta, sobre os amores e desamores da contemporaneidade, a falência dos ideais e, de certa forma,o triunfo dos porcos que nem a Orwell intimamente pareceria tão irremediável. De diferente dos best sellers - ou "bestas céleres", como dizia O'Neill - que vi no hipermercado (Santos, Pintos, etc.), este romance encerra o pormenor de estar bem escrito.
Retive uma expressão da autora sobre muitos dos modernos casos de sucesso do nosso tempo (adequável à política, à literatura, à escola, à economia, etc.): "vómito iminente". Bingo!
Guardei igualmente um trecho entre aspas (cuja fonte não é identificada, mas que poderia ter origem em Bergson, em Proust, em Faulkner, em Dinis Machado, em Joyce ou em Yourcenar):
«Tudo acontece ao mesmo tempo. Tudo está sempre a acontecer. Quando olhamos para um quadro onde está expressa uma paisagem, não nos perguntamos se o autor fez primeiro o céu, depois a árvore, em seguida a casa e o telhado para voltar às folhas e dar o último retoque nas nuvens. A paisagem está lá como um todo, e esse todo tem uma vida perfeita, harmoniosa. Só a nossa mente é sequencial. [...] O pintor pode até ter aproveitado uma tela, onde estava o mar numa noite de tempestade, pintando-lhe por cima um olival tranquilo. Quando olhamos o quadro, não é o mar que vemos mas sim as árvores, contudo o mar também lá esteve, também lá está.» (ob. cit., p.83)

Ouço,a esta hora, tocar os sinos da igreja do Salvador, em Ribeira de Pena. Funeral, adivinho. A morte de alguém que decerto não conheci ecoa, aqui, no meu presente, faz momentaneamente parte da minha vida. E a minha vida toda é esta, é isto. O mundo todo é este que se vê do meu quarto ribeirapenense (incluindo o cão lazarento que atravessa, sem relógio, a estrada). Não há antes nem depois, só esta solidão aparentemente perene que vai na corrente.
Casas, árvores, mar (ou falta dele), um cão, nuvens, eu. Eis tudo o que é Agora enquanto outro Agora definitivo se não vê.

Ribeira de Pena, 16 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Sonho: Céu, Mar


Entre a triste condição da pequenez e um mar ou céu de alegria, há um caminho.
Chegar ao céu ou ao mar apetecido obriga o caminhante a um esforço constante e demorado.
Mas antes dos passos é necessário que o céu ou mar sejam vistos, percebidos.
Ou, à falta de os vermos, que acreditemos na sua existência.
A ideia é esta: sonho, logo, posso. Sonho, logo, caminho.
Meu amor, escuta-me agora: se sonhares comigo, o sonho é maior e o caminho mais fácil.


Arco de Baúlhe, 14 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Explicação da Luz


A professora primária era, aos meus olhos infantis, o Livro Grande onde morava todo o conhecimento. Certa manhã de 1969, disse-nos que os dias começavam quando o Sol nascia. Achei, com pena, que a professora se enganava. Parecia-me a mim que os dias começavam quando a minha Mãe se levantava: ao meu quarto chegava, então, o cheiro de café com leite e de torradas, e também o som da rádio enchendo a manhã de música e locução útil. Esses sim eram fiéis sinais de novo dia à espera de nós.
Vim a descobrir que a professora estava certa e eu, apesar de tudo, também. Porque os dias do meu mundo começavam quando o Sol nascia, sim. Mas o Sol dormia no quarto ao lado do meu e levantava-se para nos preparar roupa, pequeno-almoço, merendas. Era Ela.
Ainda hoje, com vagar septuagenário, se levanta para cuidar de quem precisa, de quem precise. Talvez seja da própria natureza da maternidade este cuidado universal, estendido de filhos a netos. Uma Mãe quando nasce é, como o Sol, para todos.

Ribeira de Pena, 13 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Por que te queixas


- Tens esse hábito irritante de te queixares constantemente - disse-me herr Goering, enquanto um a um me cortava os dedos dos pés com uma tesoura de podar, revelando no exercício uma precisão e uma eficácia admiráveis.

Ribeira de Pena, 12 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

domingo, 9 de janeiro de 2011

Epígrafes à superfície de um Café


Li recentemente um grande romance da literatura italiana e universal: Café Debaixo de Água, de Stefano Benni (Ed. Ulisseia, 2010).
Sobre os contos que, juntos, são o romance falarei mais tarde.
Para já, ofereço-vos algumas das maravilhosas epígrafes que Benni escolheu para cada capítulo.
“[…] a terra / com quem dividiste o frio / para sempre será / impossível não a amares.” (Vladimir Majawoski)
“Em branco manto real todo ele reluzente, onda e chama: É a Traça!” (Paul Verlaine)
“[…] o cachalote respira apenas um sétimo, ou seja, um domingo de todo o seu tempo.” (Herman Melville)
“Tanto faz o homem que, no fim de tudo, acaba por desaparecer.” (Raymond Queneau)
“Nos tempos do fascismo / não sabia que vivia / nos tempos do fascismo.” (Hans Magnus Enzensberger)
“[…] os apaixonados de verdade inventam com os olhos a sua própria verdade.” (Molière)
“A única paixão da minha vida foi o medo.” (Thomas Hobbes)
“[…] a vida não passa de figura e fundo.” (Samuel Beckett)
“O país da nossa nostalgia é […] o normal, o decoroso, o amável, é a vida na sua sedutora banalidade.” (Thomas Mann)
“Quando o jogo se torna duro / os duros começam a jogar.” (John Belushi)
“Em nenhuma outra língua é tão difícil entendermo-nos como na nossa própria língua.” (Karl Kraus)
“Podes levantar-te muito cedo de madrugada, mas o teu destino levantou-se uma hora antes de ti.” (Provérbio africano)
“Todas as injustiças nos ofendem quando não nos trazem directamente nenhum lucro.” (Luc de Vauvenargues)
“O Sono!... Varredor do rancor!” (Tristan Corbière)
“E morrerá sem um lamento / como sonham todos os heróis. / Apenas um anjo com uma bala / e Cagney no grande ecrã.” (Tom Waits)
“As pessoas não morrem, ficam encantadas.” (João Guimarães Rosa)


Ribeira de Pena, 09 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

1972


1972. Vou à baixa de Coimbra com a minha mãe, mão na mão. Ela leva-me ao barbeiro, ali ao lado do Café Santa Cruz e, depois, ao registo civil para o meu primeiro bilhete de identidade. No mercado, compra-me um pastel de nata e um livro. Deve ser primavera. A minha mãe é uma mulher linda e cheia de saúde.
Aquele dia faz-me hoje tanta falta, mãe!

Ribeira de Pena, 08 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Imagem (foto JJC): Mãe e VL, contemporâneas de antes e depois de mim; gente consubstancial ao que sou.]

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Mundo Em Que Vivi


Li, pela segunda vez, O Mundo Em Que Vivi, de Ilse Losa. Boa parte do encanto e interesse do livro é de cariz ético. Reconhecemo-nos, como no Diário de Anne Frank, no discurso do espanto, da indignação, do desespero, da denúncia.
Mas há mais. Há esse feitiço literário de certas narrativas que nos transportam aos lugares (lugares de geografia e lugares de sentido) e nos aumentam, sendo vistos, a capacidade de ver.
Eu sou agora, talvez, outro leitor, diferente já do mais jovem Joaquim Jorge que pela primeira vez lera o livro. Vivi mais, aprendi mais, cresci em mundo e em memória. Mas o livro recuperou, da minha pessoa antiga, a mesma ingenuidade e a mesma disponibilidade para o espanto que outrora fui.
Isto é: por um lado, o livro é diferente porque o leitor é já outro; por outro, o leitor permanece igual (em pureza e em deslumbramento) porque o livro, no caroço fundamental de si, igualmente permanece-resiste-sobrevive aos relógios. Algo como um aconchego sobrenatural de perenidade.
Afinal, há nos livros - em certos livros - essa possibilidade maravilhosa de nos libertarmos da velhice, desse pó anquilosante que escorre dos calendários para as nossas pobres veias.
Ler, portanto. Ler sempre. Espécie de provisória negação, em nós, da mortalidade.

Arco de Baúlhe, 07 de Dezembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Da Ira


Falo com ex-alunos e eles, quase indiferentes, dizem-me que acabaram os estudos e estão desempregados.
Falo com pais de antigos e actuais alunos: desempregados.
Falo com familiares e com conhecidos: desempregados, desempregados.
Funcionários do Bingo pedem, na televisão, que alguém lhes devolva o trabalho.
Os dias estão agrestes. Um medo secreto mina-me os ossos e a esperança. A crise rouba a cor aos olhos dos transeuntes e há, em vez de sorrisos, uma espécie de brutidade zigomática.
Talvez por ilusão triste, parece-me que o país se arrasta. Homens e mulheres vigiam-se, em meu redor, como lobos impacientes.
Em certa medida, o meu quotidiano desliza para páginas de Steinbeck afinal contemporâneo. Portugal - Vinhas da Ira.

Ribeira de Pena, 04 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Quadra balzaquiana (não interessa a métrica)


Célere, sai da loja moderna
De busto levantado contra o fim...
Trota-passa, levemente, por mim
Como uma brisa breve, bela, eterna.

Coimbra, 03 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem é do filme Shakespeare in Love, com Gweeneth Paltrow.]