Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

domingo, 30 de janeiro de 2011

A Arte do Romance, Mr. Magnorium, etc.



I

Acordo tarde, porque (tão felizmente, tão gloriosamente) é sábado!
Vou à janela e vislumbro, nos fugazes vultos desaparecendo da minha vista, o Frio Maiúsculo do tempo e do lugar. Tempero a brutalidade atmosférica com um café quentíssimo e acrescento à minha gordura invernosa alguns gramas de pão com manteiga. Depois, chega-me às mãos Milan Kundera.
Comprei recentemente A Arte do Romance (Lisboa, Dom Quixote, 2002). É um livrinho maravilhoso sobre o ofício do escritor e, em particular, do romancista moderno. Tinha interrompido a sua leitura em Coimbra (lembrava-me de, ainda nas primeiras páginas, se falar em Musil, um autor que escandalosamente mal conheço). Voltei ao livro, agora, com vagar e gosto.
A meio da página 58, encontro uma preciosidade que tanto me remete para, por exemplo, Júlio Dinis, escritor criticado por alguns porque – aparentemente – esconde em suas narrativas o lado mais negativo da História. Lembra Kundera:
«Um historiador conta-lhe acontecimentos que se passaram. […] O romance não examina a realidade, mas sim a existência. E a existência não é o que se passou, a existência é o campo das possibilidades humanas, tudo o que o homem pode vir a ser, tudo aquilo de que ele é capaz. Os romancistas elaboram o mapa da existência ao descobrirem esta ou aquela possibilidade humana.»
Mais à frente (p. 60), o escritor afirma:
«O romancista não é nem um historiador nem um profeta: é um explorador da existência.»

Ora, eu interpreto esta ideia - como fiz, em tese, à roda dos romances dinisianos – como a assunção de que a História é uma narrativa sempre deficitária da biografia humana: falta-lhe em emoção e olhar ético o que eventualmente lhe sobra em factualidade e estatística. A História, por assim dizer, fala-nos do que a vida é; a literatura fala-nos do que a vida pode(ria) ser – e é essa a acepção que, em mim, toma o sentido kunderiano de existência.

II

Pelas três da tarde, ponho-me a ver um filmezinho comprado em saldos (um Euro e cinquenta e nove cêntimos, salvo erro) - Mr. Magnorium’s Wonder Emporium (2007), que teve por título português O Maravilhoso Mundo dos Brinquedos. O argumento e a realização são de Zach Elm e os actores principais são Dustin Hoffman e Natalie Portman.
A história fala da importância de, para haver magia, termos de acreditar na possibilidade da magia. Ou, dito de outro modo, defende a ideia de o sonho depender, antes de mais, da capacidade de sonhar. Mais: de acordo com a retórica (muito menos ociosa do que parece) de Zach Elm, o tamanho do sonho depende obrigatoriamente do tamanho da alma sonhadora.
Quase no final da narrativa, a personagem Mr. Magnorium explica a uma jovem de vinte e poucos anos a sua lição fundamental sobre a vida: “Life is an occasion. Rise to it!”
[Traduzo livremente: “A vida é uma grande possibilidade. Ergue-te à sua altura!”]

III

Sábado deve terminar com testes de Francês, actas e planificações. A minha vida (e a da MP) está cheia de anti-clímaxes.

Ribeira de Pena, 29 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

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