Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Luz depois do túnel (Feliz Ano Novo)


Quis inscrever um pedacinho de mim ainda nos limites convencionais do ano civil de 2018. É por isso que passei pelo meu bloguinho há muito em pousio. É, digamos, um texto escrito por um triz. Não deixei de escrever durante este silêncio, asseguro-vos. Ando à bulha com um romance desde 2015, pelo menos (escrevo, rasgo, planifico, acrescento, recomeço, guardo-o numa pastinha chamada "Casal Ferrão", sonho com ele, adio-o); escrevi, há alguns meses, um inteiro volume em modo poesia, de que gosto muito-muito, e que espero publicar em 2019; escrevi uma novela - era para ser um conto - que é um exemplar monumento da minha forma de fazer narrativa e que gostaria imenso de ver, já no próximo ano, também publicado em forma de livro; rabisquei crónicas, poemas (sobetudo quadras) por caderninhos-diários, aí onde actas, trabalhos de casa dos alunos e listas de compras coexistem com o lirismo voador dos meus dias coimbrinhas e transmontanos.
A imagem que ilustra este post é uma foto da entrada (ou saída) de um túnel madeirense, especificamente o que liga Machico ao Caniçal. Tenho muita felicidade associada àquela geografia, e lágrimas também. Mas fui à imagem escavar só quanto nela há de potencial simbólico para o dia finitudinal de hoje. Todos conhecemos o clichê da luz ao fundo do túnel, metáfora para a recompensa a haver e para a concomitante esperança no que vem sempre a seguir ao sacrifício, ao sofrimento, à escuridão.
É na contemporaneidade cúmplice desta travessia que vos convido a brindar ao tempo que passou e ao que (nos) falta. Isto dos anos é, bem sabemos, uma convenção muito artificial e limitada acerca do Tempo. Mas, vá lá, ajuda-nos a arrumar a vidinha, a reflectir sobre o essencial e o acessório de cada pedaço da existência. Por mim, não desejo outra luz, neste fim de túnel de 2018, que não seja a de todos estarmos vivos em Dezembro de 2019. 
Os meus votos são, portanto, Saúde & Alegria. Mais nada, porque isso é tudo.

Coimbra, 31 de Dezembro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http:www.agoramadeira.pt..]

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Bordado outonal




O súbito frio da manhã 

À saída do prédio; 
Vultos lentos dos velhos 
À porta do laboratório; 
Estrangeiros altos tagarelando 
Sobre a barragem da Iberdrola; 
Grupos de jovens carregando mochilas
A caminho da escola; 
Eu também na minha lida novembrina 
De olhar cómico-cósmico, 
Esgaravatando o horizonte 
Buscando tudo quanto à vista haja 
E para tudo procurando um fio unificador 
Deste bordado humano que entretanto teço:
Mundo, tempo, gente, vida a passar 
Poema. 

Arco de Baúlhe, 27 de Novembro de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem (pormenor de bordado madeirense, muito antigo) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.pinterest.pt.]

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Regresso luminoso


Um casal de quase 70 anos chegou hoje a Coimbra, depois de 23 anos ausente do seu (nosso) País. Foi, vista à época, uma aventura inesperada e um pouco imprudente: já quarentões, sentiram o chão económico fugir-lhes sob os pés e, nada tendo a perder, lá emigraram para a Alemanha. 
Aí, sofreram as saudades consubstanciais à própria ideia de emigração portuguesa, o frio germânico, a antipatia - larvar, latente ou sem-cerimónias - dos anfitriões, a insegurança dos lugares não familiares, a brutidade da inóspita língua. 
Resistiram, apesar do recorrentes desânimo, das fatais lágrimas, da incontida revolta. E, chegada a idade da reforma, puderam enfim regressar. 
Falo-vos do meu tio Carlos e da sua esposa (por afinidade, minha tia) Regina. Já estão em casa, ali pela Urbanização do Loreto, em casa arrendada já no Verão. Eles bem tinham dito, no final de Agosto, à hora de voltarem para a Alemanha: "Se Deus quiser, lá para Novembro, já cá estamos..."
Deus quis. Já cá estão. Quando soube da luminosa notícia, fiquei feliz, como se eu próprio estivesse de regresso a Coimbra.
Provavelmente não lerão este textinho, mas eu hei-de transmitir-lhes de viva voz esta profunda cumplicidade e esta sincera alegria. Bem-vindos!

Arco de Baúlhe, 22 de Novembro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.yellowbustour.com.]

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Adeus, Professor Severo de Melo, Mestre

Ontem, pela tarde, o meu Amigo Daniel Abrunheiro enviou-me mensagem para o telemóvel a dar conta da morte do (nosso) professor Severo de Melo. Em 1976, este Senhor Professor era a garantia das mais interessantes aulas de História de que um aluno poderia beneficiar, na mítica Escola Preparatória Rainha Santa Isabel, à Pedrulha. Sopravam ainda os tempos gloriosos e puros da Liberdade trazida pelo 25 de Abril de 1974, eu era um miúdo esfomeado de conhecimento e de vida em geral, batia tudo certo. Ouvir o dr. Severo significava entrar no reino encantado da Cultura. Com ele ao leme da conversa, numa sala ou nos corredores da escola, tornava-se maravilhosamente familiar o contacto com datas históricas, pensadores, escritores, músicos, heróis. Entrava-se nas suas aulas com a esperança - jamais frustrada - da Novidade. À boleia do seu discurso e das suas provocações, aprendia-se a pensar.Ainda cheguei a ser seu colega, na mesma escola onde o conheci; e aí, apesar do seu convite (tácito ou expresso) a uma familiaridade mais distendida, jamais me consegui desligar do sentimento de admiração e de devoção que por ele não cessei de nutrir. Tive, felizmente, oportunidade de lhe transmitir esse enlevo e a gratidão concomitante. 
Não estive sempre de acordo com o que ele dizia (ou com o modo, nem sempre dado à bonomia, com que exprimia as suas convicções). Mas retirei sempre de cada contacto a noção de estar na presença de um homem íntegro, culto e sábio, que tornava mais ricos os dias dos seus contemporâneos.
A sua morte, aos 80 anos, no dia 5 de Novembro de 2018, é mais um pedaço da minha vida que cede à puta da Finitude. Nada de pasmar, pois estou na idade de coleccionar perdas e de ir preparando a minha própria saída de cena. Mas faço questão, a quase 300 quilómetros de Coimbra, cidade minha e, por adopção, do Professor Severo, de registar aqui a minha mágoa, a minha saudade e o meu eterno reconhecimento por este ser valioso e luminoso, tão lídimo intérprete do livre pensamento.
Adeus, querido Mestre!

Coimbra, 07 de Novembro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Prenda envenenada


O Jornal de Notícias está a editar clássicos da literatura portuguesa em versão (muito) resumida. De acordo com os promotores da iniciativa, trata-se de um projecto dirigido sobretudo a crianças. Há uns anos, o semanário Sol tentou algo semelhante – e já então critiquei a ideia. Volto à carga, se me dão licença. 
Tomemos como adquirido (para economia retórica) que as intenções são intrinsecamente boas – fomentar a leitura, dar a conhecer títulos e autores importantes, etc. Ainda assim, perdoai: como diz o povo, de boas intenções está o inferno cheio. 
Já me dei ao trabalho de ler algumas destas versões de clássicos. Tirando as ilustrações (que de facto tornam o objecto-livro mais apelativo para leitores muito jovens), o que me ficou foi, de novo, esta ideia de, no afã de bem simplificar (?), aquilo que era um romance, na sua pureza inteira, passar a ser um mero resumo dos acontecimentos principais (digamos assim). Em termos didácticos, dir-se-ia que os adaptadores se esquecem da acção secundária, preferindo exclusivamente a acção principal, ignorando descrições, diálogos longos, monólogos interiores. Em termos mais rigorosos, direi que há um apagamento (deliberado, ergo criminoso) da diegese em favor do enredo
Ler estas versões é um pouco como ler aqueles resumos dos episódios telenovelescos que aparecem em certas revistas. Ou os famosos resumos da Europa-América, amados pelos cábulas, textos que utilitariamente reduzem as obras estudadas a tópicos e a paupérrimas sínteses de cada narrativa. Ou ainda àqueles testemunhos de quem foi ao cinema e conta a quem lá não foi a história, “dispensando” o receptor da experiência espectadora, feita de atenção e de emoção estética (essa sim, pessoal e intransmissível). 
Mais: os jovens leitores que hoje tropecem nestas versões minimalistas dificilmente investirão tempo de leitura, mais tarde, nos originais. Ficarão para sempre iludidos com a ideia de que “já conhecem” aqueles romances fundamentais. 
Mas não. Não conhecem. Em boa verdade, perderam-nos. 

Ribeira de Pena, 26 de Outubro de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em https:www.jn.pt.]

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Educação sem habitação, não


Li no Público (edição de 10 de Outubro de 2018) uma reportagem que provava - se necessário fosse - que é quase impossível arrendar um quarto (já nem falo numa casa) em Lisboa, senão por valores proibitivos. Já o percebera ao testemunhar a saga de uma sobrinha madeirense que, por amor à música, se atreveu a tentar o ensino superior em Lisboa. Para uma família humilde, sem outros recursos que o magro salário auferido por marido e mulher, é um sonho muito caro pôr um filho a estudar nas grandes urbes. 
O direito à educação aparece consignado na Constituição. Coisa normal, desejável, justa. Vale para o ensino básico, para o ensino secundário e para a universidade. 
É verdade que, por razões de sustentabilidade financeira, o Estado se foi atrevendo à imposição de propinas para a frequência de cursos superiores, mas por enquanto as verbas são (ainda) razoavelmente suportáveis, creio, para a maioria das famílias. 
Já a verdade torce o rabo quando falamos de habitação. Os desgraçados que sejam colocados no Porto ou em Lisboa (especialmente nestes casos) só conseguem casa (aliás, quarto) por altíssimas verbas mensais, muitas vezes sem direito a recibo, fora já do alcance da nossa classe média. 
Dito de outro modo: a gratuitidade da frequência do ensino superior, para quem não tem, à partida, residência nas grandes cidades, é uma mentira. O Estado não pode fazer de conta que o problema não existe. Dito de outro modo: a indiferença, aqui, também é inconstitucional. 

Cabeceiras de Basto, 10 de Outubro de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem – da famosa personagem Snoopy, criação de Charles Schulz – foi colhida, com a devida vénia, em https://schuzmuseum.org.]

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Essencial & acessório


No dia 27 de Setembro, após registar mecanicamente (à semelhança do que faço semana a semana) as minhas chaves de euromilhões e de totoloto, vibrou o telemóvel. Era o meu irmão mais novo, dando-me conta de que a nossa Mãe sobrevivera a – mais uma – operação delicada. Respondi-lhe, bêbedo de felicidade: “Já ganhámos o euromilhões, pá!” 
A vida ensina-nos a distinguir, cada vez melhor, o essencial do acessório, não é? É, sim. Deixai que vos diga ainda: ontem, pelas 8h25mts, quase à saída da A7, a chegar ao Arco, senti o rebentamento de um pneu da viatura que conduzo. Vi-me muito aflito para segurar a nave - e a violência do episódio traduziu-se em significativos danos na carroceria. O carro foi rebocado para Coimbra, tive de ir a Guimarães para alugar outro e o meu subsídio de Natal voou antecipadamente para a reparação a haver. Sobrou a gloriosa circunstância de ter ficado vivo, apto a contar a história no meu-nosso Muito Mar
Ou seja: a vida ensina-nos a distinguir, cada vez melhor, o essencial do acessório, não é? 

Arco de Baúlhe, 04 de Outubro de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em https://www.circulaseguro.pt.]

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Errar, errar & aprender


A palavra errar é mais um tesouro da nossa Língua. Há nela o óbvio sentido de falhar ou enganar-se, mas também o de perambular sem destino certo ou obrigatório, com a liberdade, a leveza e a espontaneidade de uma folha ao vento (ou de um animal selvagem, avesso a rotinas ou a planos).
O interesse da homonímia, neste caso, está na ideia – que recorrentemente confirmo, tantas e tantas vezes – de a sabedoria ser também resultado dos erros cometidos ao longo do nosso percurso existencial. Às contingências, vicissitudes, espantosas novidades de cada dia, respondemos com as explicações possíveis e reagimos da forma que nos parece, daí em diante, mais certa. Depois, fatalmente, falhamos de novo, e lá voltamos a reformular equações e a reinventar métodos e armas para a sobrevivência seguinte. Isto é, erramos pela vida e vamos tentando (errando, errando, errando) percebê-la melhor. 

Cabeceiras de Basto, 11 de Setembro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em https://gananci.com.]

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Redes sociais




Alguém lembrava na televisão que a ameaça de Hitler se materializou graças, em grande medida, a Goebbels, cuja máquina de propaganda lavou (sujou) milhões de cérebros, não apenas alemães, formatando-os segundo a mortal ideologia nazi.
As redes sociais parecem-se – não poucas vezes – com infinitos pequenos Goebbels. Isto é, a ameaça suja e potencialmente mortal permanece. 

Coimbra, 10 de Setembro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://tawesit.gmail.com.]

Não estorvar


Com os anos, tenho percebido que o prazer da minha presença junto das pessoas não é, muitas vezes, superior ao da minha ausência. Antes de o saber por experiência, já beneficiara de um postulado teórico: a minha Mãe sempre disse aos filhos que mais vale ser desejado que aborrecido. 
Um velho conhecido, pouco dado a estas delicadezas de raciocínio, obtempera: 
- Ó Joaquim Jorge, quem não aparece, pá, esquece! Mas não me preocupa esse aviso, pois também eu aprecio o auto-desaparecimento leve e despido de tragédias. Sobretudo para, não estando, não estorvar. 

Coimbra, 09 de Setembro de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[Foto JJC]

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Pequenos sismos


De manhã, ouço na rádio uma notícia de um pequeno sismo registado no norte do País. Embora seja a face visível de um perigo maior, a inexistência de vítimas ou estragos de monta torna irrelevante o acontecimento noticiado. 
À tarde, leio no Correio da Manhã, página 30, uma notícia relacionada com a EDP (aquela empresa que Passos Coelho vendeu aos chineses, para gáudio destes e de alguns portugueses muito venturosos, como Catroga ou Mexia): a Autoridade da Concorrência acusa a EDP Produção de abuso de posição dominante, consubstanciado no aumento exagerado do valor das facturas de electricidade pagas pelos consumidores portugueses. Segundo a entidade liderada por Margarida Matos Rosa, a manipulação do sistema eléctrico custou ao Estado cerca de 140 milhões (!) de euros entre 2009 e 2013. A notícia reporta que o Estado paga à EDP “compensações públicas no âmbito do regime de Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual” (CMEC), permitindo também à empresa – ao mesmo tempo - receitas elevadíssimas nas centrais não CMEC. Já estamos habituados a ver Privados a enriquecer sugando a mama do Estado e, por isso, tendemos a ver estas notícias como mais do mesmo, espécie de pequeno abalo sísmico. O problema é o fenómeno maior de que os ligeiros tremores são apenas sintomas. 
A Terra mexe? Sim, mas há muito tempo que Mexia… 

Coimbra, 04-09-2018. 
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.j-myuniverse.blogspot.com.]

Adeus, Professora



A Doutora Ofélia Paiva Monteiro partiu ontem, dia 02-09-2018, aos 82 anos. Fui seu aluno na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, aí por 1983, na disciplina de Literatura Francesa. Quando saiu a pauta com as notas do primeiro exame, a Senhora Professora quis conhecer-me. Felicitou-me pelos 18 valores, interessou-se pelo meu percurso académico e incentivou-me a sonhar com uma carreira no ensino superior. Guardo dela a imagem de uma excelentíssima Professora, cheia de saber, de bonomia e de talento comunicacional (a base da pedagogia bem sucedida).
Não tenho dúvidas: o mundo – o meu e o de muitos – ficou ontem mais pobre.

Coimbra, 03-09-2018.
Joaquim Jorge Carvalho

domingo, 2 de setembro de 2018

Vânia, única filha única




Que hei-de eu dizer sobre mais um aniversário da minha única filha única? Vejamos: na minha cabeça, a Vânia nunca cresceu verdadeiramente, i.e. nunca deixou verdadeiramente de ser a (nossa) menina. Já o amor que eu e a MP sentimos, esse jamais cessou de crescer. De certa forma, tornou-se até um exagero, incontrolável como um tsunami feito de tempo e sangue. A menina tão-pouco nos tem ajudado a moderar emoções e sentimentos - enche-nos de orgulho com irritante regularidade, é inteligente, gosta de boa música, celebra o 25 de Abril, lê bons autores, tem sentido de humor, é do Sporting… Parabéns, minha (nossa) Vanovska, amada menina para sempre!

Coimbra, 02 de Setembro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Verdade Kodak


A MP não gosta (não gosta muito) de me ver constantemente preocupado com a necessidade de registar em fotografia certos lugares (“semantizados” por pessoas, como diria Maria Lúcia Lepecky), certos objectos, certos momentos. Mas eu, que não tenho cultura fotográfica por aí além (e tão-pouco material sofisticado para esta arte), sinto essa espécie de urgência, que lembra – no essencial – a pulsão da escrita: captar-fixar parcelas de tempo, de vida, de História & histórias. 
Ainda hoje me parece genial (e também simples, uma coisa não impede a outra) o slogan antigo da Kodak: “Para mais tarde recordar.” Amen. Tirar fotografias é, em boa medida, um exercício divino, pois se trata de garantir uma razoável eternidade para as fugazes biografias do ser humano. 
Ao longo da minha estadia em Machico, lá voltei (desta vez com o telemóvel) a caçar posteridades frágeis e queridas: praia, cais de S. Roque, Caniçal, pedacinhos de Funchal, instantâneos familiares, luzes e sombras, momentos esparsos, flores, movimento, horizontes, coisas com Presente e talvez Porvir. 
Tenho saudades do tempo em que íamos a uma loja para deixar o rolo fotográfico a revelar. De revelação se deve falar, na verdade, quando falamos do objecto-foto que oferecemos ao futuro. 

Machico, 27 de Agosto de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho



A Casa Verde


Acabei de ler A Casa Verde, de Mario Vargas Llosa, às seis horas da manhã (mais uns minutos). Esperava acabar a leitura no dia seguinte, mas regressaram-me as insónias e lá acendi o candeeiro, aí pelas quatro e meia da madrugada. E assim devorei as cerca de cem páginas que me faltavam. Nota: é um grande romance (mais um) de um grande escritor. E confirmo: um livro é uma companhia fiel e segura para combater a Noite. 

Machico, 27 de Agosto de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho

domingo, 26 de agosto de 2018

Festa do Senhor

Ontem, foi um dia cheio: rotina matinal a abrir, com decida ao centro de Machico para compra de jornais, café & queijada no Edifício Perestrelo; banho rápido na mais formosa baía do mundo (Machico); depois, quatro horinhas no Caniçal, curtindo uma espécie de (amável) piscina atlântica; mais tarde, um lanchinho na casa familiar, com Juventus-Lazio na televisão (só para admirarmos o Ronaldo, claro); ao intervalo da partida italiana, tempo para uma corridinha de 15 minutos até à Ribeira Seca, que me custou muito, talvez devido ao calor imenso da tarde; entre o final do jogo italiano e o início do Benfica-Sporting, um breve banho, e só a seguir sim o sofrimento esperado, que isto de ser leão não é fácil não, e desta vez – por muito que tal me custasse – tive de confessar ao meu cunhado Aberto (o único benfiquista deste lar) que a águia mereceu ganhar; veio depois o jantar (uma maravilhosa omeleta de espada preta com salsa, cebola e alho), à moda da cunhada Guidinha; quase finalmente, houve oportunidade para testemunharmos a sempre surpreendente festa dos fachos, um espectáculo de raras coreografias de luz e de fogo-de-artifício; a fechar a jornada madeirense, chegou a surpresa F.C. Porto, 2 – Vitória de Guimarães, 3, seguida de alguma conversa distendida antes de irmos dormir. 
Dou por mim a escrever, hoje, no lugar da data: 25 de Agosto de 2018. E perdoai a cósmica ingratidão, mas sinto já que o Verão tanto tempo ansiado sabe (soube) a pouco. Dentro de 5 dias, estarei a pensar que ainda faltam 11 meses para as férias! 

Machico, 26 de Agosto de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]

Condição musical



É o dia que nasce da noite
Ou a noite que mata o dia?
Não sei que vos diga – 
Sou folha caída de árvore antiga –
Sei lá o que é certo –
Voo em contínuo, como se caísse
Onde ninguém me visse
Salvo a cada instante pelo vento –
Sei lá, pois, se os dias nascem ou morrem assassinados.
Parecem-me todos os dias o mesmo dia
E todas as noites a mesma pausa –
Diria: como uma música, que é feita
De ritmo e de melodia
Mas, notais, também de silêncios.
Sim, a noite é também dia em tempo de silêncio
E todos os dias (pelo menos, os meus dias) são música
Em constante construção
Em constante hesitação
Tocada a ventos.

Machico, 25 de Agosto de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[Fotos JJC: trata-se, no essencial, do mesmo lugar (em frente ao Forum Machico) e do mesmo ângulo - com a diferença de uma das fotos ter sido tirada de dia e a outra à noite.]

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Coisas de perder




Bebo todo o Sol até ao entardecer
Amo cada passo e todo o chão
Choro cada futura perda a haver
Morro um pedacinho em antecipação.
Adeus a gente & lugares que estou vendo!
Adeus a quem hoje sou e estou perdendo!

Machico, 24 de Agosto de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[1ª foto: JJC; 2ª foto: VLOSC]

Caldos de galinha



Tenho resistido a uma forte discussão sobre os méritos da companhia de aviação que assegura os voos entre Funchal e Porto Santo. Da parte dos governantes e de utentes, a crítica tem sido feroz, por – alegadamente – os voos previstos serem adiados de forma sistemática, sem respeito pelos mais elementares direitos de quem (não) viaja. A companhia espanhola defende-se com argumentos de ordem técnica e regulamentar, garantindo que não aterra nem descola devido aos ventos fortes que assolam o arquipélago. Muitas vozes contrariam a alegação da empresa, questionando a razão de, apesar destes mesmos ventos, haver voos para as Canárias.
Sei de menos para opinar sobre o assunto. Mas já me assusta o desplante com que governantes defendem uma diminuição da severidade protocolar que a lei dedica, em Portugal, às questões da segurança. É um pouco como aqueles que defendem a energia nuclear por serem raros os acidentes com as centrais. Ou como Trump, quando se marimba para as questões ambientais em nome do lucro imediato (para si & amigos).
Muitas vezes, quem se arrisca… lixa-se!

Machico, 23 de Agosto de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto VLOSC]


Moça na praia ao Sol de Agosto

O rabo-coração relampejando
Seios quais vulcões a balançar
Pernas como remos descansando
Das noites qu’inda falta navegar.

Machico, 22 de Agosto de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[Imagem colhida, com a devida vénia, na net.]

Mestre João & Senhora Maria



A 22 de Agosto, os meus sogros casaram-se na igreja de Machico. Em Junho de 1961, nasceu a MP, que haveria de se tornar personagem principal da minha vida.
Mestre João, meu sogro, fez da celebração desta data um marco familiar: de 1985 em diante, fiquei a saber que era dia de filhos e netos se reunirem ao casal para missa, à tarde, e depois jantar de festa, normalmente com música (graças ao talento dos filhos, quase todos exímios no canto e no manuseio de instrumentos musicais como a viola ou o acordeão). Com o tempo, eu próprio me associei ao momento, com pontuais incursões pela poesia, que a família, generosa, não desprezou. 
Claro que, com o falecimento de meu sogro e de dois de seus filhos, bem como da emigração de um terceiro, a festa não é já igual. Não obstante a presença de novas personagens (filhos dos filhos do casal fundador), há uma inevitável sensação de incompletude à mesa. Para sempre. 
Mas eu aprecio que se mantenha o ritual antigo – reunião de familiares, missa, jantar, talvez música. Enquanto houver família, a Morte não ganhou. À senhora Maria, parte visível dos noivos de 1960, ergo o meu copo e saúdo o maiúsculo Amor. 

Machico, 22 de Agosto de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto de Carolina Ornelas]

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Teoria & Prática


Tenho conhecido muita gente que, a propósito de vícios, de erros cometidos ou de crises existenciais, fala de mudança. Garantem que vão mudar, pois aprenderam com a vida e não querem cometer os mesmos disparates, magoando-se e magoando, à volta, aqueles que os amam (e ainda os que, não os conhecendo de parte alguma, algo pagam pelos seus desmandos). 
Muitas vezes, tenho a sensação de que falam-falam-falam na mudança apenas para se convencerem a si mesmos do que devem fazer. Mas tudo quanto digam só fará sentido se à ideia corresponder - na vida profissional, amorosa, familiar, etc. - a acção. 
Lembrei-me disto quando dei com o lema inscrito no logótipo da Universidade de Aveiro: theoria poiesis praxis. Tradução possível: a prática concretiza a teoria. Amen. 

Machico, 21 de Agosto de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.cyocaminho.com.]

A selva


Na Madeira como no continente: incomodam-me os que deitam para o chão o lixo circunstancial (maços de tabaco vazios, lenços de papel, guardanapos, embalagens de gelado, garrafas e latas, etc.); os que conduzem dentro de aldeias, vilas e cidades como se a via pública fosse pista de automóveis ou motos, sem respeito por sinais trânsito, por regras básicas, por passadeiras, por inocentes peões (incluindo crianças e idosos); os que não respeitam as filas (nas caixas de supermercado, nos balcões de Café, nos chuveiros da praia); os que impõem aos outros a presença dos seus animais, descuidando o espaço e a liberdade da vizinhança (pondo em causa o sossego e a segurança de quem pretende usufruir de razoável tranquilidade); os que jogam futebol na praia, atingindo recorrentemente quem quer descansar, ler, olhar para o mar (e, a cada bolada contra as vítimas, dizem que “foi sem querer” ou nem sequer pedem desculpas); os que não sabem viver em sociedade, muito satisfeitos com o seu estado de bestas atrevidas e frequentemente impunes. 
Falta-me, aqui e em toda a parte, paciência para o desrespeito e a estupidez. Bem dizia Flaubert, em contexto (ainda) mais filosófico: “L’enfer, c’est les autres.” 

Machico, 20 de Agosto de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Realidade & sonho


Na corrida que fiz ontem, ao fim da tarde, entre o Piquinho e a Ribeira Seca, custou-me (mais do que habitualmente) a subida: um misterioso desconforto prendia-me a perna direita. A Idade teima em chamar-me à razão. 
À noite, após visionar o jogo do meu Sporting, li umas cinquentas páginas de A Casa Verde, de Mario Vargas Llosa, e adormeci de forma serena. No dia seguinte, pouco antes de acordar, um sonho épico (de que incompletamente guardei a intriga principal) acelerou-me o ritmo cardíaco. Sei que havia um desempate por penalties e que eu era um dos marcadores decisivos; no momento de partir para a bola, senti falta de força na perna direita e à minha volta riam-se e questionavam-me a coragem.
Fora do sonho, levantei-me, enfim, cansado e nervoso. Doía-me ainda a perna e fervia de indignação. E, hélas, não me foi dado conhecer o epílogo da história sonhada. 

Machico, 19 de Agosto de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC]