Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Filosofia Mínima


A ética é também uma coisa estética.
Quero dizer: legalidade interior, legalidade com formosura, bem em forma de cartografia moral, passos voluntários para dignamente andarmos.
A deontologia pressupõe a ética, ou – dito de outra forma – mora na ética.
É como se a casa da profissão ficasse na rua da ética. Casa, portanto, em lugar justo, harmonioso, ecológico.
A ética é um conceito mais profundo, embora singelo de tão claro: ser para (bem) estar na vida.
A deontologia é talvez mais sofisticada em sua enunciação, mas não deixa de ser redutível a uma forma simples: estar para (bem) ser.
O ter, o obter, o parecer, o bem-estar e o pràquistar são outras coisas - nem sempre más, nem tão-pouco necessariamente boas.
A vida (viva o velho clichê) é um jogo. A ética e a deontologia tornam-no mais limpo, aliás, mais humano, aliás, mais humanista.

Coimbra, 27 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (o filósofo Sócrates – o verdadeiro!) foi colhida, com a devida vénia, na wikipedia).

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Deus é que sabe (parábola)


Era uma vez isto. Era uma vez nós. Era uma vez o país em crise.
Governo e oposições confessaram-se impotentes para resolver o problema. Veio o FMI (que é, como se sabe, anagrama de FIM). Contudo, em vez de solução, houve mais reticências e angústia.
Alguém perguntou, em desespero, ao famoso FMI: Que havemos de fazer, FMI?
O FMI respondeu: Só Deus sabe…
Com desespero redobrado, o país dirigiu-se ao próprio Deus e perguntou: Que havemos de fazer, meu Deus?
Deus quis saber ao certo qual era o problema de Portugal. Falta de dinheiro, informaram.
Façam mais, sugeriu Deus, naquela sua adorável ingenuidade.
Explicaram-Lhe que no mundo terreno as coisas não se podiam fazer assim, que era complicado, que havia regras, que tinham de viver com o dinheiro existente, autorizado, legal, apenas e só com esse dinheiro.
Foi nesta altura que Deus, quase impaciente, suspirou um tsunami por toda a eternidade e disse: Pois então, se só há esse dinheiro, deveis distribui-lo melhor.
Palavra do Senhor.

Porto, 23 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (“O nascimento de Adão”, de Michelangelo) foi retirada, com a devida vénia, de http://www.girafamania.com.]

Morte & Vida


Fez-me muita impressão que o meu avô Manuel, pai do meu pai, morresse. O tio Zé Melo deve ter percebido a minha incapacidade de lidar com o fim e disse como se respondesse a algum comentário:
- A morte é o diabo.
Notei, na missa fúnebre, a quantidade de chapéus-de-chuva, a lama nos sapatos das senhoras, os olhos vermelhos da mãe e das tias. O padre teceu sobre o passamento um longo murmúrio e, algures na retórica lamentosa, assegurou à família que a este acidente biográfico do avô se sucederia o princípio da verdadeira existência. Afiançou-nos:
- Deus é a vida.
Na minha cabeça, por anos, o tio Zé Melo e o sacerdote discutiram sobre o assunto. O José Régio, no amargo “Cântico Negro”, participou no debate. O Vergílio Ferreira, no “Em Nome da Terra”, esmurrou o clero. O Mário de Carvalho, no “Deus passeando na brisa da tarde”, foi elegantemente ambíguo. O José Saramago, no “Evangelho segundo Jesus Cristo”, riu-se escandalosamente da ficção bíblica.
Eu, por razões de sanidade mental, gosto de fingir que não há morte. Mas, oh Deus, quando a realidade desmente essa ilusão, há sempre uma voz que repete dentro de mim:
- Oh diabo! Oh diabo …

Ribeira de Pena, 22 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.ultrapassandobarreiras.blogspot.com.]

domingo, 19 de setembro de 2010

Sábado sabadinho


Dou-me conta desta fortuna livre de impostos: é sábado, há o tépido sol beijando-me a pele, vivo a paz universal em versão ribeirapenense, estou num presente ainda tão meu!
Entre mim e o sol, há vegetação arbórea muito verde. A luz empresta um brilho de ouro à calçada. Esparsos viajantes cruzam a rua Camilo Castelo Branco. No Ali Babá, nos arredores de uma maravilhosa chávena de café, corre placidamente a liga inglesa de futebol.
Milionário da rotina, é o que sou - e tão simples, irmãos, é a minha riqueza: está, hoje, tudo normal em Coimbra e na Madeira; é tudo tão presente, tudo tão vida; tudo tão magnífica continuidade.
Ou seja, uma fortuna!

Ribeira de Pena, 18 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC.]

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Já não o Verão


Por ser Outono
Deus toca ao piano dos céus
Uma sonata triste.
A cada nota, folhas d’árvore
Uma a uma caem
E a Terra
Como se fosse mãe
Acolhe-as
Como se fossem filhas.

Ribeira de Pena, 17 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[O desenho – da autoria de Júlio Pomar e incluído na obra de Mário Dionísio, O Dia Cinzento e Outros Contos - foi colhido, com a devida vénia, em http://www.centromariodionisio.org.]

Tempo


O Tempo é um fidalgo prepotente
Fumando a minha vida até ao fim.
O fumo ascendente e vertical
São cósmicas palavras que por mim
Lamentam a cinza indiferente
Caindo sobre a terra horizontal.

Ribeira de Pena, 17 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Foto JJC.]

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Despesa Social


Ouvi o Dr. Miguel Beleza, eminente economista da nossa contemporaneidade, perorar, na TSF, sobre a lusa crise de finanças públicas. Segundo o especialista, a solução passa por cortar na chamada "despesa social". Bondosamente, o ex-ministro disse que bem sabia da dor que tal causaria nas camadas mais desfavorecidas da nossa população, mas - hélas - não via alternativa.
Eu estou de acordo com este exemplaríssimo senhor, de um ponto de vista fonético. Também eu acho que o segredo passa por cortar na "despesa sucial".
Reparastes? Escrevi voluntariamente "sucial", e não "social".
Porque me parece mais justa e eficaz a medida de cortar nessa despesa que uma "súcia" obscena de privilegiados representa para o Estado: falo dos beneficiários das reformas milionárias (às vezes, duplas e tripas, quase sempre precoces) de altos funcionários, das mordomias de administradores glutões, dos bónus pornográficos de altos gestores, da fuga offshórica aos impostos, dos impiedosos juros cobrados por bancos. Etc, etc, etc.

Sumário: cortemos na despesa sucial, sim - e já!

Ribeira de Pena, 15 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.universohq.com.]

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Ricardo Reis no lugar do morto


Salva da névoa o rosto amado
Não deixes devir nada o mor de ti
Ignora o presente sem passado
Ama aonde fores o que é aqui.

Oferece ao já sonhado guarida
(o mor do mar é mais que mil marés)
Rebusca em ti o coração da vida
Encontra no que eras o que és.

Ribeira de Pena, 15 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[O primeiro verso aconteceu-me em viagem, pelas 08h10m. O resto deu-se-me à tarde, por nesta quarta-feira não haver reuniões.]

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Recado antidepressivo


Às vezes, a meta não é ainda no final desta curva. Aparece, como se nascesse de um qualquer cinismo superior (muito fora da graça de Deus), curva outra ainda. Mais: a planura prometida é novamente chão íngreme e irregular.
Às vezes, é isto. É assim, também, a vida. Às vezes, somos Sísifo: que fazer senão carregarmos a pedra (ou a cruz) que nos cabe, desacreditando embora de algum dia a nossa viagem ter direito a chegada?
O contrário seria não estar, não sermos.
Continuamos, logo, existimos.

Ribeira de Pena, 10 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida - com a devida vénia - em http://www.blogdainseguranca.blogspot.com.]

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Corai, Contemporâneos


Vi, no dia 7 de Setembro de 2010, na RTP2, um excelente documentário sobre a vida de Tito de Morais. O programa poderia ter-se chamado “No tempo em que a Ética era mais do que uma palavra”.
Tito de Morais foi um antifascista de grande carácter, que sacrificou desde muito novo o conforto pessoal em favor da luta pela liberdade e pela justiça. Esteve preso, foi torturado pela PIDE, sofreu o exílio e o opróbrio. Veio a ser um dos fundadores do PS e, já depois do 25 de Abril, elegeram-no deputado e presidente da Assembleia da República.
Os amigos e os filhos unanimemente o recordam como um exemplo de honra e de teimosia. Um pormenor biográfico-doméstico ajuda a fazer luz sobre a personalidade deste português. Alguns conhecidos e camaradas, cientes por um lado das suas qualidades académicas e profissionais, e por outro da sua frágil situação económica, propuseram-no para um cargo de administrador de uma grande empresa. Tito de Morais recebeu o convite com bonomia, informou-se sobre as funções a desempenhar e, enfim, quis saber em quanto importava o salário.
Salário e mordomias concomitantes eram, globalmente, uma fortuna. Aquele socialista abriu a boca de espanto e confessou-se obrigado a recusar. Era demasiado dinheiro – sustentou então – num país onde o ordenado mínimo não ultrapassava os “30 contos”!
Se os políticos do nosso tão pobre presente se olhassem a este espelho…

Ribeira de Pena, 08 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Condutores sem carta


Parece que a lei castiga os cidadãos apanhados a conduzir sem carta de condução com a impossibilidade de, durante algum tempo, poderem inscrever-se numa Escola habilitada a passar tal documento.
Isto é: o crime de conduzir sem carta, segundo percebemos, é legalmente castigado com o adiamento (talvez sine die) da obtenção da licença para conduzir.
Não se afigura inteligente, convenhamos, tal solução.
A minha filha V. sugere que estes indivíduos, muito ao contrário do que hoje se passe, sejam obrigados a tirar a carta num determinado prazo! A mim parece-me bem – e atrevo-me, já agora, a aditar alguns aspectos.
Os cidadãos apanhados a conduzir sem carta deveriam pagar, como pena para o seu crime, o valor de pelo menos duas vezes o custo da carta de condução. Deveriam igualmente ficar obrigados a frequentar aulas e a ir a exame dentro de um determinado prazo (curto). A não observância desta ordem determinaria a perda do valor já pago pelo cidadão e a concomitante obrigatoriedade de (novo) pagamento das aulas e exames (três vezes essa importância, desta feita), bem como de – dentro de um superveniente prazo – obter a licença de condução em falta.
A ideia (da V. e minha) será enviada, como sugestão, à Direcção Geral de Viação e ao Ministério da Administração Interna.
Que vos parece?

Arco de Baúlhe, 06 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Vanovska


Fascista, o tempo pode, quer e manda. Não por mal, decerto, porque o tempo não tem a ver com moralidades. É assim. Assim se cumpre.
O tempo corre. O tempo, correndo, é. Mas de tão ininterrupto e fluido, às vezes parece que não anda.
As efemérides - boas e más - tendem a revelar a brutalidade de o caminho entre o presente e a morte se fazer sem pausas. "Já passou tanto tempo", dizemos nós, sem remédio, nessas ocasiões.
A coisa é triste. Pois.
Mas hoje é dia de festa, cantam as nossas almas. A Vaninha faz 26 anos.
Para os seus pais, que nela vêem uma espécie de eternidade, a Vaninha é o contrário da morte. Flores, ó menina nossa!

Coimbra, já 02 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho & MP (Pais ba-ba-ba-bados)

D'Arte


Posto que é uma porcaria
O mundo todo em geral
Saudemos com alegria
A beleza excepcional
Do mundo que a arte cria.

Coimbra, 01 de Setembro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Pintura (fotografada) de Guida Ornelas.]