Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Bordado outonal




O súbito frio da manhã 

À saída do prédio; 
Vultos lentos dos velhos 
À porta do laboratório; 
Estrangeiros altos tagarelando 
Sobre a barragem da Iberdrola; 
Grupos de jovens carregando mochilas
A caminho da escola; 
Eu também na minha lida novembrina 
De olhar cómico-cósmico, 
Esgaravatando o horizonte 
Buscando tudo quanto à vista haja 
E para tudo procurando um fio unificador 
Deste bordado humano que entretanto teço:
Mundo, tempo, gente, vida a passar 
Poema. 

Arco de Baúlhe, 27 de Novembro de 2018. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem (pormenor de bordado madeirense, muito antigo) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.pinterest.pt.]

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Regresso luminoso


Um casal de quase 70 anos chegou hoje a Coimbra, depois de 23 anos ausente do seu (nosso) País. Foi, vista à época, uma aventura inesperada e um pouco imprudente: já quarentões, sentiram o chão económico fugir-lhes sob os pés e, nada tendo a perder, lá emigraram para a Alemanha. 
Aí, sofreram as saudades consubstanciais à própria ideia de emigração portuguesa, o frio germânico, a antipatia - larvar, latente ou sem-cerimónias - dos anfitriões, a insegurança dos lugares não familiares, a brutidade da inóspita língua. 
Resistiram, apesar do recorrentes desânimo, das fatais lágrimas, da incontida revolta. E, chegada a idade da reforma, puderam enfim regressar. 
Falo-vos do meu tio Carlos e da sua esposa (por afinidade, minha tia) Regina. Já estão em casa, ali pela Urbanização do Loreto, em casa arrendada já no Verão. Eles bem tinham dito, no final de Agosto, à hora de voltarem para a Alemanha: "Se Deus quiser, lá para Novembro, já cá estamos..."
Deus quis. Já cá estão. Quando soube da luminosa notícia, fiquei feliz, como se eu próprio estivesse de regresso a Coimbra.
Provavelmente não lerão este textinho, mas eu hei-de transmitir-lhes de viva voz esta profunda cumplicidade e esta sincera alegria. Bem-vindos!

Arco de Baúlhe, 22 de Novembro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.yellowbustour.com.]

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Adeus, Professor Severo de Melo, Mestre

Ontem, pela tarde, o meu Amigo Daniel Abrunheiro enviou-me mensagem para o telemóvel a dar conta da morte do (nosso) professor Severo de Melo. Em 1976, este Senhor Professor era a garantia das mais interessantes aulas de História de que um aluno poderia beneficiar, na mítica Escola Preparatória Rainha Santa Isabel, à Pedrulha. Sopravam ainda os tempos gloriosos e puros da Liberdade trazida pelo 25 de Abril de 1974, eu era um miúdo esfomeado de conhecimento e de vida em geral, batia tudo certo. Ouvir o dr. Severo significava entrar no reino encantado da Cultura. Com ele ao leme da conversa, numa sala ou nos corredores da escola, tornava-se maravilhosamente familiar o contacto com datas históricas, pensadores, escritores, músicos, heróis. Entrava-se nas suas aulas com a esperança - jamais frustrada - da Novidade. À boleia do seu discurso e das suas provocações, aprendia-se a pensar.Ainda cheguei a ser seu colega, na mesma escola onde o conheci; e aí, apesar do seu convite (tácito ou expresso) a uma familiaridade mais distendida, jamais me consegui desligar do sentimento de admiração e de devoção que por ele não cessei de nutrir. Tive, felizmente, oportunidade de lhe transmitir esse enlevo e a gratidão concomitante. 
Não estive sempre de acordo com o que ele dizia (ou com o modo, nem sempre dado à bonomia, com que exprimia as suas convicções). Mas retirei sempre de cada contacto a noção de estar na presença de um homem íntegro, culto e sábio, que tornava mais ricos os dias dos seus contemporâneos.
A sua morte, aos 80 anos, no dia 5 de Novembro de 2018, é mais um pedaço da minha vida que cede à puta da Finitude. Nada de pasmar, pois estou na idade de coleccionar perdas e de ir preparando a minha própria saída de cena. Mas faço questão, a quase 300 quilómetros de Coimbra, cidade minha e, por adopção, do Professor Severo, de registar aqui a minha mágoa, a minha saudade e o meu eterno reconhecimento por este ser valioso e luminoso, tão lídimo intérprete do livre pensamento.
Adeus, querido Mestre!

Coimbra, 07 de Novembro de 2018.
Joaquim Jorge Carvalho