Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

terça-feira, 30 de abril de 2019

25 de Abril (Tributo ao Sol)





Na celebração do 45.º aniversário do 25 de Abril de 1974, a Biblioteca da minha escola recebeu, entre outras digníssimas individualidades, o coronel Sousa e Castro, um dos Capitães de Abril. Para além de um encontro com a História, foi uma oportunidade para jovens alunos do 9.º ano exercitarem o delicado exercício da Memória e o da Gratidão.
Duas alunas interpretaram um textinho meu, expressamente elaborado para a ocasião.Não lhe chamaria sequer poesia, antes um Obrigado em verso. Para os meus leitores perceberem bem a magia do momento, ficará a faltar que  tivessem visto in vivo a comoção do coronel Sousa e Castro e in vivo ouvissem a cristalina voz da nossa juventude cantando Abril. 


Os meus pais falam-me às vezes dos Capitães de Abril
(E outras vezes são os professores, sobretudo os mais velhos,
Que me falam desses jovens com um mês cheio de Sol agarrado ao nome.)
Também acontece vê-los na televisão, a preto & branco, vitoriados
Por gente com alegria colorida e pura. 



Sei razoavelmente o que se passou: Portugal vivia a noite triste 

Da falta de liberdade, da miséria e da guerra - 
E um movimento de jovens Capitães disse: Basta! 
Com risco de vida, expulsaram os tiranos e abriram a porta ao Sol 
Da modernidade, quero dizer: inauguraram o Futuro.

O meu manual de História diz que já foi há muito tempo 
(foi em 1974, noutro século: já lá vão 45 anos),
Mas o meu pai diz sempre: “Parece que foi ontem!” 
E a minha mãe canta, enquanto se penteia, “Uma gaivota 
Voava, voava” (até eu já a acompanho cantando Como ela 
Somos livres, somos livres de voar”!). 

É tão bom vivermos, agora, em liberdade e em democracia, 
Não estarmos orgulhosamente sós, isto é, no Passado, 
Isto é, na Noite, isto é, estupidamente sós. 
O perigo da passagem do tempo é a gente esquecer-se 
Da importância do Sol (como se não tivéssemos de o merecer, 
De zelar por ele, de o conquistar, de o defender). 

Dou por mim frequentemente a desejar conhecer um Capitão 
Daquele dia. 
Um Capitão, senhores, cheio dessa coragem luminosa 
Que acende os caminhos e exemplarmente aponta 
À Liberdade. 
Gostava de o ver, talvez de o ouvir. Sobretudo, gostava 
De lhe dizer obrigado. Que estou aqui. Que sou livre. Que valeu a pena! 
Valeu a pena, Capitão! 

Arco de Baúlhe, 04-04-2019.
Joaquim Jorge Carvalho

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Abril. 45 vezes Abril. Abril sempre!

1.
Antes de Abril, houve a Noite, e muitos dos contemporâneos dessa ausência do Sol deixaram então - por medo, por cobardia, por preguiça ou por gulosa conveniência - que tudo fosse ficando como estava.
(Sei lá se eu próprio, caso fosse adulto à época, não faria o mesmo. Sabemos lá o que faríamos todos em cada circunstância que não vivemos.)
Mas houve quem não se resignasse. Quem, com risco de perder o emprego, o sossego, a própria vida, se recusou à resignação e lutou. 
Para todos quantos combateram a Noite, aí vai a luz máxima da minha gratidão. Para todos quantos foram Capitães de Abril, incluindo os que nem sequer foram à tropa, o meu obrigado eterno.

2.
Abril significa a conquista do direito ao Sol. Quarenta e cinco anos após o luminoso dia 25, continua a haver quem não tenha Sol. Mas há agora (ainda há) a Liberdade de reclamar o direito ao Sol. O Sol, se não é ainda de todos, deveria ser de todos. 
Os direitos são importantes, por isso custa tanto conquistá-los. Mas não chega ter direitos. É igualmente importante lutar por que se eles cumpram. 
De que nos vale existir o Sol se ele não nos iluminar e nos aquecer? 
Viva, pois, o Abril que já há e o que falta cumprir!

Cabeceiras de Basto, 24 de Abril de 2019.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.radioregionaldocentro.com.]


domingo, 21 de abril de 2019

Dor de mudar


Desde menino que me dói a mudança, por mínima que seja. Custava-me saber que um casal qualquer da rua estivesse de partida (para o Norte, para o Sul, para o estrangeiro). Custava-me que um velhote tivesse morrido e nunca mais o voltasse a ver tão anónimo e silente, sentado num muro branco, à saída das oficinas da Renault, quando eu regressava a casa no fim das aulas. Custava-me que a câmara municipal arrancasse uma árvore antiga, com o pretexto da sua velhice e de algum perigo para a população da minha rua. Custava-me o final iminente do livro que andasse a ler. Custava-me o ocaso de uma série televisiva. 
Pressentia-o antes, sei-o agora: a minha dor era a de o tempo passar e de isso significar que tudo tinha um fim (e de não haver remédio capaz de contrariar essa doença). Era a de saber que o tempo todo é um empréstimo com prazo e juros. Uma estadia provisória e volátil. No meu primeiro livro, Desapontamentos dos Dias (nascido na década de 90 do século XX), escrevi:

Cortaram mais uma árvore
Na rua onde fui menino. 
Cada vez há menos árvores
E a rua vai-me fugindo.

Lá estava a rua, isto é, a vida em fuga. É uma coisa muito triste, e eu digo-a. Não a digo – isto é, não a escrevo – apenas por ser triste, mas por ser também uma coisa estranhamente bela. 

Coimbra, 20 de Abril de 2019. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[Na foto, estou eu, com 12 anos menos, e está Coimbra, sem idade.]

quinta-feira, 18 de abril de 2019

LER PARA SALVAR


Li, numa crónica de Manuel S. Fonseca, publicada no Correio da Manhã, edição de 18-04-2019, a confirmação do que já defendi em múltiplos contextos da minha vida pessoal, profissional e académica: ler às crianças, praticamente desde o berço, ajuda-as a desenvolver (exponencialmente) a linguagem, a inteligência, a atenção, a personalidade. O cronista do CM refere um estudo da Sociedade Americana de Pediatria que garante esta verdade científica: "aos cinco anos, uma criança a quem os pais leram um livro por dia [durante algum tempo], sabe um milhão e 400 mil palavras mais do que os catraios murchos que os pais arrumaram a xixi e cama".
Ignoro se o valor enunciado, no que respeita à mais-valia vocabular, é literal ou hiperbólico. De qualquer modo, a ideia faz muito sentido. E tudo isto ganha particular pertinência no território estupidificante da modernidade hiper-tenológica em que vivemos. Impera aqui a alienação provocada por tablets, iphones & computadores, que sugam a atenção e a inteligência dos utilizadores-consumidores-usuários, em fatal detrimento do convívio com o mundo, a humanidade, o Sol. Já agora, acreditem ou não: um familiar (muito jovem ainda) confessou-me, há dias, que odiava livros.
A parte mais incisiva do texto de Manuel S. Fonseca é esta: os pais/educadores, ao ler para as crianças, ajudam-nas salvando-as dessa calamidade que é o défice de linguagem. Ora, os que, por preguiça ou ignorância, não o fazem, hélas, estão a incumprir parte importante das suas funções, dos seus deveres. Ou seja, "baldam-se".

Coimbra, 18 de Abril de 2019.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.estudokids.com.]

quarta-feira, 17 de abril de 2019

F(r)ases da Lua


Nota prévia: a minha Colega/Amiga Rosário Coelho pediu-me pequeninos textos que começassem por determinadas letras. Essas frases completariam o cenário que preparara para o Sarau da nossa Escola, concretizado no dia 3 de Abril do corrente ano. Andei com esse pedido na cabeça durante um dia. Devo ter parecido, então, aos que me rodeavam bastante distraído e alguém, com razão, me acusou de "estar na lua". Era verdade - daí ter chamado "Frases da Lua" (depois "F(r)ases da Lua") ao conjunto de frases fabricadas. Ei-las.



Três para a letra B -

Boa noite”, disse a lua, aparecendo no céu.
“Boa noite”, respondeu o poeta. O meu poema estava à tua espera.

Branca como a neve só a própria neve”, disse a neve. “Para me perceberem, têm de ver, de pensar, de sentir como eu. Têm de ser como eu. Têm de ser eu.”

Beatriz é o nome do grande amor de Dante. O famoso “Inferno de Dante” não é um lugar: é não ter Beatriz junto a si.


Cinco para a letra D - 

Dá-me a tua mão, amor, contra a escuridão. Quero dizer: para haver Sol.

Disseste que seria para sempre. Não venhas agora com as desculpas da mortalidade ou do tédio, ouviste?

Ditosa Pátria minha amada”, disse Camões. E, grata e orgulhosa, a Pátria volveu Poema.

Descemos para o chão, por nos dizerem que tínhamos de viver com os pés aí. Depois, passámos a vida com saudades de voar.

Depois do mar, é provável que nada exista. Por isso navego, como se o mar fosse tudo.



Duas para a letra I -

Irmãos, está-se a acabar o Futuro. Não podemos perder tempo!

Ir é um verbo com bichos-carpinteiros. Os bichos metem-se no verbo, cheios de sonhos e de impaciências, e vão. 



Três para a letra J -

- Janela, que há lá fora?
- Mais tarde, hás de saber.
- Mas podes dizer-me agora?
- Não perguntes, vai lá ver.

Jesus, por ser poeta, falava como as aves, cantando como se fosse um pássaro. Quem o ouvisse com o coração, voaria para o céu.

Junho inunda o calendário de Sol e de cheiro a maresia real ou imaginada. Acontece-me, por essa altura, acreditar que o Inverno não existe.


 Uma para a letra L -

Lavei o rosto com a água de um regato pequenino e anónimo. Só depois comecei a ler. O livro, sorrindo, deixou-me entrar como se fosse da casa.


Uma para a letra A -

Amor não é bem uma palavra. É o som do mundo à procura de música.


Uma para a letra V -

Virei à hora habitual do entardecer, com aquela urgência de chegar ainda com luz, só para te ver passar a caminho de não estares.


Duas para a letra F -

Felizes os que caminham felizes só pela felicidade de caminhar.

Faz de conta que sou um piano e toca-me, com a delicadeza e a competência necessárias, para enfim suceder a música querida.


Coimbra, 17 de Abril de 2019.
Joaquim Jorge Carvalho
[Desenho de Rosário Coelho.]

AVISO

Por razões técnicas, não tenho conseguido publicar novos textos no meu (vosso, nosso) blogue. Espero retomar a a atividade nos próximos dias. Abraço a todo(a)s!

Coimbra, 17 de Abril de 2019.
Joaquim Jorge Carvalho