Desde menino que me dói a mudança, por mínima que seja. Custava-me saber que um casal qualquer da rua estivesse de partida (para o Norte, para o Sul, para o estrangeiro). Custava-me que um velhote tivesse morrido e nunca mais o voltasse a ver tão anónimo e silente, sentado num muro branco, à saída das oficinas da Renault, quando eu regressava a casa no fim das aulas. Custava-me que a câmara municipal arrancasse uma árvore antiga, com o pretexto da sua velhice e de algum perigo para a população da minha rua. Custava-me o final iminente do livro que andasse a ler. Custava-me o ocaso de uma série televisiva.
Pressentia-o antes, sei-o agora: a minha dor era a de o tempo passar e de isso significar que tudo tinha um fim (e de não haver remédio capaz de contrariar essa doença). Era a de saber que o tempo todo é um empréstimo com prazo e juros. Uma estadia provisória e volátil. No meu primeiro livro, Desapontamentos dos Dias (nascido na década de 90 do século XX), escrevi:
Cortaram mais uma árvore
Na rua onde fui menino.
Cada vez há menos árvores
E a rua vai-me fugindo.
Lá estava a rua, isto é, a vida em fuga. É uma coisa muito triste, e eu digo-a. Não a digo – isto é, não a escrevo – apenas por ser triste, mas por ser também uma coisa estranhamente bela.
Coimbra, 20 de Abril de 2019.
Joaquim Jorge Carvalho
[Na foto, estou eu, com 12 anos menos, e está Coimbra, sem idade.]
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