Por um Euro, adquiri A Preço de Ocasião, um romance de Isabel Fraga (já agora, filha de Urbano Tavares Rodrigues). É uma narrativa enxuta, sobre os amores e desamores da contemporaneidade, a falência dos ideais e, de certa forma,o triunfo dos porcos que nem a Orwell intimamente pareceria tão irremediável. De diferente dos best sellers - ou "bestas céleres", como dizia O'Neill - que vi no hipermercado (Santos, Pintos, etc.), este romance encerra o pormenor de estar bem escrito.
Retive uma expressão da autora sobre muitos dos modernos casos de sucesso do nosso tempo (adequável à política, à literatura, à escola, à economia, etc.): "vómito iminente". Bingo!
Guardei igualmente um trecho entre aspas (cuja fonte não é identificada, mas que poderia ter origem em Bergson, em Proust, em Faulkner, em Dinis Machado, em Joyce ou em Yourcenar):
«Tudo acontece ao mesmo tempo. Tudo está sempre a acontecer. Quando olhamos para um quadro onde está expressa uma paisagem, não nos perguntamos se o autor fez primeiro o céu, depois a árvore, em seguida a casa e o telhado para voltar às folhas e dar o último retoque nas nuvens. A paisagem está lá como um todo, e esse todo tem uma vida perfeita, harmoniosa. Só a nossa mente é sequencial. [...] O pintor pode até ter aproveitado uma tela, onde estava o mar numa noite de tempestade, pintando-lhe por cima um olival tranquilo. Quando olhamos o quadro, não é o mar que vemos mas sim as árvores, contudo o mar também lá esteve, também lá está.» (ob. cit., p.83)
Ouço,a esta hora, tocar os sinos da igreja do Salvador, em Ribeira de Pena. Funeral, adivinho. A morte de alguém que decerto não conheci ecoa, aqui, no meu presente, faz momentaneamente parte da minha vida. E a minha vida toda é esta, é isto. O mundo todo é este que se vê do meu quarto ribeirapenense (incluindo o cão lazarento que atravessa, sem relógio, a estrada). Não há antes nem depois, só esta solidão aparentemente perene que vai na corrente.
Casas, árvores, mar (ou falta dele), um cão, nuvens, eu. Eis tudo o que é Agora enquanto outro Agora definitivo se não vê.
Ribeira de Pena, 16 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
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