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quarta-feira, 24 de março de 2010

A DEPRESSÃO DAS LARANJAS (5 - Parte VI)


As Palavras (Parte VI)

Por um completo ano estendeu esta aventura, sendo cada vez mais difícil, a Hodju, resistir à beleza fatal das palavras que Priapyo lhe ia dedicando. Por um completo ano se estendeu esse caminho de ida e volta, a cavalo ou a pé, de Margo aos aposentos do príncipe (uma discreta estalagem onde discretamente Delfim se mantinha, sempre impaciente). Por um completo ano, as concubinas do ladrão de palavras deixaram de o servir, por manifesta ausência de vontade do macho, que acordava tarde e ansiava, a cada instante, pela chegada da noite.
Um dia, ao fundo do texto recuperado e transcrito, por Hodju, na folha de carvalho costumeira, acrescia uma nota: “Amanhã recuperarei a última frase. Não sei se conseguirei resistir. Honrai o acordo que fizemos.”
Preocupado com tais linhas, o príncipe quis interromper o perigo e, através da doce Margo, fez chegar ao mágico um pedaço de papiro: “As frases que temos são já suficientes. Chega. Volte para sua casa.”
Mas Hodju estava apaixonado pela boca do homem que, todas as noites, o tentava com as mais belas palavras. Desse encantamento resultava que cada vez menos se reconhecia o ancião que era, e cada vez mais se assumia como a mulher que magicamente se fingia oferecer.
[Continua.]


Ribeira de Pena, 24 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Trata-se do 6.º e penúltimo excerto do 5.º texto de “A Depressão das Laranjas” (Ribeira de Pena, Ed. Casa de Santa Marinha, 1999). A imagem-supra é do filme “O Fabuloso Destino de Amélie” (2001), de Jean-Pierre Jeunet.]

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