Bússola do Muito Mar

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quarta-feira, 10 de março de 2010

Cadela Como Nós


Dara


O meu agregado familiar perdeu, nos últimos anos, dois elementos, ambos do género feminino: a Vânia e a Dara. Aquela é a minha filha que, como escreve Manuel Alegre em “Cão como Nós”, cresceu para lá dos limites do berço e se emancipou. Esta era a minha cadela, que morreu (velhinha e doente) há ano e meio.
A minha relação com a Dara teve altos e baixos, como é próprio do amor e da amizade. Durante cerca de catorze anos, fez-me rir, fez-me gritar, brincou comigo, irritou-me, comoveu-me, destruiu-me a mobília e os nervos, acompanhou-me, fugiu-me, surpreendeu-me.
Eu não fui, para ela, um exemplo de tolerância e de paciência: em momentos de tensão maior, fui decerto injusto e bruto.
Aí pelo seu 13.º aniversário, a Dara deu em envelhecer e ficou muito doente. Durante seis meses, convivi então, todos os dias, com a ideia da iminente morte daquele elemento (já) da família. Desesperado, quis que todos os seus momentos finais fossem bons: andei com ela ao colo, perdoei-lhe todas as imperfeições, dei-lhe comer à boca (como a um bebé), sobrepreocupei-me com o conforto da sua cama, providenciei-lhe exageradas carícias.
Graças à cortisona, houve dias em que tivemos – todos – a ilusão de que a cadela voltaria a ser jovem e saudável. Até a ditadura da finitude falar mais alto.
Quando já não se mexia sequer para comer, o veterinário ofereceu-se para lhe providenciar um misericordioso alívio. Queria dizer: um suave fim. Por telefone, a minha mulher disse-me, chorando: A Dara já partiu.
Desde esse tempo, a saudade.
A saudade é uma forma delicada de desespero. Um gerúndio uivando a inevitabilidade da separação. Uma cadela, como nós, partindo.


Ribeira de Pena, já 10 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

4 comentários:

Daniel Abrunheiro disse...

A minha senhora também tem um Cão.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Já me Cãostou...

Abraço!

QJ

O Mundo de Laika disse...

aiii que tristeza, a minha filhota tem 2 anos, completará 3 final do ano...mas eu a mimo desde já =D tenho tanto medo dessa hora tbm.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Muito bem essa ideia de mimar "desde já" os seres que nos são queridos. A lucidez é também, afinal, uma preciosa aliada do amor. Abraço! JJC