Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sábado, 20 de março de 2010

A Lírica Vista de Minha Casa


Gosto de pensar na poesia como o discurso de alguém à beirinha de morrer. Quem escreve é como se soubesse que não tem já muito tempo para dizer o que é ainda preciso dizer. Todas as palavras são importantes porque podem ser as últimas. Cada uma delas comporta a íntima respiração do moribundo, isto é, a pulsão terminal dos seus anseios, o testemunho epilogal do seu sentir, a herança derradeira da sua vida e do seu olhar.
Esta urgência implica quem escreve e quem lê. Como se trata, talvez, das últimas palavras que o poeta diz-escreve, a necessidade de atenção torna-se maior, e cada palavra, cada nuance rítmica, cada imagem requer(em) um subidíssimo esforço na recepção e interpretação da matéria dita-escrita.
Vejamos o problema pelo lado do poeta. Para dizermos, a quem amamos, o nosso amor, que remédio senão buscar no lado menos bruto do nosso vocabulário as palavras (talvez) certas? Que remédio senão garimpar sintaxes até encontrar o ouro (talvez) exacto? Que remédio senão sermos, ainda que por breves instantes, dignamente líricos?
Em 1982, num anfiteatro da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, desajeitadamente te disse que te preferira, certa tarde de Junho desse ano, ao Itália-Brasil do Campeonato do Mundo, e que jamais me arrependeria. Era isto, creio eu, lirismo puro já. Quero dizer: um desvio da prosaica circunstância e da vulgaridade de dizeres mais convencionais. E se hoje to redigo, nesta placidez da nossa mais velha idade, é porque a lírica, como os vinhos raros, pode melhorar, em vez de morrer, com o tempo.

Coimbra, já 20 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

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