Bússola do Muito Mar

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quarta-feira, 10 de março de 2010

A DEPRESSÃO DAS LARANJAS (24)


Fátima

Vi em Fátima, uma vez, um imenso grupo de fiéis católicos oferecendo velas à Virgem Maria. Eram (recordo) velas de todos os tamanhos, brancas sobretudo, que lentamente ardiam na pira ali colocada para o efeito.
Em relação ao meu olhar, os crentes (mulheres, na sua maioria) estavam de costas. Mantive-me por lá durante minutos, comungando do silêncio grave das pessoas e da estearina. Sentia-se o frio natural da época (acho que era Outubro).
Ao fim de algum tempo, pude enfim ver diversos rostos, gente que deixava o local: havia lágrimas em quase todos – lágrimas quase a ser; lágrimas sendo; lágrimas que tinham sido. Adivinhamos facilmente a panóplia de motivos, não é? Doenças, sonhos, amigos, emprego, amores.
E dei por mim a chorar também. Porquê?
A verdade é que me é muito difícil situar o episódio no tempo cronológico. O mês, já o disse entre parênteses, seria Outubro. Mas o ano?
Eu queria sobretudo, acerca desta lembrança, saber se isto sucedeu antes ou depois de Margo Boniek na minha vida. O pormenor não é despiciendo: é-me necessário para perceber se as minhas próprias lágrimas eram de tristeza por não te haver ainda encontrado; ou se, tendo-te, me doía já a mortal antecipação da perda de nós.


Coimbra, já 10 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Trata-se do 24.º texto do volume “A Depressão das Laranjas” (Ribeira de Pena, Ed. Casa de Santa Marinha, 1999). A imagem-supra, colhida em Wikipedia, é a do cartaz do filme “A Insustentável Leveza do Ser” (1988), de Philip Kaufman, com base no romance homónimo de Milan Kundera. Os actores principais são Daniel Day-Lewis, Lena Olin e – sobretudo! – Juliette Binoche.]

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