Bússola do Muito Mar

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segunda-feira, 1 de março de 2010

A Outra Globalização


Chile, sismo de 8.8 na escala de Richter. Antes, a Madeira. Antes, o Haiti. Cenários: destruição, morte, pânico, horror de Conrad.
Com invulgar frequência, as notícias de tragédias “naturais” repetem-se nos média. (Digo – escrevo – “média” e não “mídia” voluntariamente. Porque sim.)
À roda dos acontecimentos, o também repetido bruá universal de lamentações, avisos, estatísticas, pormenores obscenos dignos das melhores audiências.
Em boa verdade, nada há de novo no Haiti, na Madeira, no Chile. É apenas o planeta cumprindo um destino de consabida finitude, muito indiferente ao escândalo dos seus provisórios habitantes.
A gente sabe que a mortalidade é triste. Nenhum ser humano resiste, em certos momentos, a um sentimento existencialista (“avant” e “après la lettre”) verberante deste absurdo de a ideia de vida compreender fatalmente o fim. Mas é assim. Somos isto.
Michel Tournier falava da morte como “l’autre coté de la vie”. O Pessoa dizia que era apenas uma curva no fim da estrada. A Yourcenar chamou-lhe foz do “caminho”.
Todos os dias alguém sofre o seu sismo pessoal, o seu aluvião particular, o seu íntimo tsunami. Não dá direito a galas na televisão ou a discurso na ONU, mas é o mesmo fenómeno.
E, contudo, esta habituação à tragédia não nos torna imunes ao sofrimento dos outros. Os outros tornam-se nós. Como se chega “aí”?
Eu julgo que a parte menos capitalista da globalização é isto de a dor alheia ter perdido o cariz asséptico de antigamente. Hoje, sabe-se mais, vê-se mais, sofre-se mais. É mais justo e mais humano assim. E é mais triste.
Quem me dera, às vezes, ser a ceifeira do poema pessoano e esquecer, feliz talvez, a quotidiana probabilidade de morrermos!

Vila Real, 28 de Fevereiro de 2009.
Joaquim Jorge Carvalho

2 comentários:

Daniel Abrunheiro disse...

A outra globalização é um rico título: vale por uma crónica por si só.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Desconfio que estás sempre on-line.
Abraço!
QJ