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domingo, 14 de março de 2010

A Culpa dos Sindicatos


A Culpa dos Sindicatos

Na sua crónica semanal, no “Expresso”, Miguel Sousa Tavares volta a referir-se, com burguesinha acrimónia, aos sindicatos.
Confesso: a sua sanha contra as organizações sindicais faz-me espécie.
Eu compreendo, por exemplo, o azedume de José Sócrates, esse, porque radica numa certa forma de o nosso primeiro-ministro ver o mundo, do ponto de vista da sua executiva circunstância: sem adversários, e sobretudo sem adversários organizados, seria mais confortável o exercício do poder.
Mas em Miguel Sousa Tavares é um fenómeno diferente. É, ao que parece, uma concepção da vida social e política que dispensa a vida e a força da contestação sindical. Ou, como eufemisticamente também diz, os “interesses corporativos”.
Entendamo-nos: já há muito que poderosos de todo o mundo lamentam este desagradável hábito de os trabalhadores se unirem e procurarem lutar pelos seus direitos. Em boa verdade, portanto, Sousa Tavares não aduz nada de novo sobre o assunto.
Concretizando: julga o iluminado cronista que, na saúde e na educação (pelo menos, aqui), o problema está nos sindicatos. O diálogo de Ana Jorge ou Isabel Alçada - com enfermeiros, médicos, professores - é interpretado, está-se mesmo a ver, como uma forma de pública capitulação. Que saudades tem ele, percebemos nós, da intrépida Lurdes Rodrigues e do valente Correia de Campos! Estávamos todos errados, à época, menos aqueles dois espíritos brilhantes (decerto congéneres do tão superior Miguel).
Este preconceito contra os sindicatos agrada a muita gente, como tenho observado nas colunas de opinião de vários jornais, e parece radicar na ideia extraordinária de que é das organizações sindicais, essa provável corja, a responsabilidade da má gestão do nosso país nos últimos trinta anos. Ao que parece, são os sindicalistas, consabidos e terríveis adversários do progresso, os grandes culpados da má organização de Portugal, e dos errados investimentos, e das ineficazes estratégias, e do repetido desperdício de meios e recursos.
De tanto opinar, pode ocorrer com Sousa Tavares a circunstância de estar certo, às vezes. Mas não é, aqui, o caso.
Por mim, tendo a perdoar-lhe a demagogia descuidada e os erros de raciocínio; nunca foi fácil escrever sobre o tempo que passa e o jornalista faz disso, como se sabe, ofício.
Custa-me mais perdoar-lhe o topete de se achar (já) romancista. Se “Equador” é uma razoável narrativa, “Rio das Flores” é, do ponto de vista literário, um nojo: mal imaginado, mal estruturado, mal escrito.
Mas, sei lá, talvez seja culpa dos sindicatos.

Ribeira de Pena, já 14 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

1 comentário:

Paulo Pinto disse...

Os sindicatos vêm perdendo influência e capacidade de mobilização, é verdade. Têm-se adaptado mal aos tempos que correm, parece-me certo, vivendo ainda enredados em lógicas que já vão sendo obsoletas. Muitas propostas que fazem são irrealistas, às vezes aparentemente autistas, também me parece. Jogam um jogo do faz-de-conta, do género do regateio nos souks do Magrebe: pedem muito, na mira de conseguir uma parte do que pedem.
Mas, com o poder que os grupos económicos e financeiros adquiriram, com as tentativas cada vez mais descaradas de despojar os trabalhadores de grande parte das conquistas sociais que alcançaram durante o século XX (mesmo sem as considerar todas intocáveis), os sindicatos fazem falta, e seria catastrófico que deixassem de cumprir o seu papel.
Já conhecemos Miguel Sousa Tavares: é um indivíduo que diz o que pensa sem rodeios e com independência (honra lhe seja feita), mas que é irresponsável e leviano em muitas coisas que diz. Gosta de frases fortes, e di-las ou escreve-as como se a verdade fosse dele e quem dele discorda fosse parvo, interesseiro ou impostor. Enfim, mais um ego grande demais para um país tão pequeno...