Bússola do Muito Mar

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domingo, 21 de março de 2010

A DEPRESSÃO DAS LARANJAS (5 - Parte IV)


As Palavras (Parte IV)

O velho mágico foi fácil de encontrar, não obstante os rigores da viagem e o eterno mau humor do príncipe. Vivia num casinhoto muito humilde, no interior do reino de Tofzo. À porta daquela morada (indicada, em murmúrio, por uma mendiga velha e corcunda), havia uma rapariga de corpo bem feito, tranquilamente estendendo roupa ao sol, quase de costas para quem chegava.
- Boa tarde – disse Delfim.
A moça não respondeu.
- Bo, boa tarde – tornou o príncipe, já impaciente, quase gritando.
A moça não respondeu.
Determinado, um dos guardas caminhou para a jovem e fê-la voltar-se, com rispidez militar. A rapariga pareceu assustar-se bastante.
- Costumas igno, igno, ignorar quem te, te, te cumprimenta? – perguntou Delfim.
A moça, muito linda e formosa, quase sorriu, mas voltou a não responder.
- Largai a menina, canalhas! – gritou um velho de longas barbas brancas, que se arrastara das traseiras da casa, apoiando-se num bastão escuro. Tinha, como a moça, os olhos claros, vivos, saltitantes: aves brincando com as estrelas. Trovejou ainda:
- A pobrezinha é surda-muda.
O príncipe desceu do cavalo e, com um único gesto, suspendeu a agressividade remanescente da guarda-real. Fez uma generosa vénia ao velho e perguntou-lhe:
-És tu o fa, fa, famoso Hodju?
O velho fitou o nobre perguntador durante cinco segundos. E respondeu baixinho:
- Depende de quem pergunta.

[Continua.]


Coimbra, já 21 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Trata-se do 4.º excerto do 5.º texto de “A Depressão das Laranjas” (Ribeira de Pena, Ed. Casa de Santa Marinha, 1999). A imagem-supra, beleza pura em versão Nastasia Kinski, foi colhida em “Tess” (1979), filme de Roman Polansky baseado na obra homónima de Thomas Hardy.]]

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