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Número de Ondas

terça-feira, 30 de março de 2010

A Montanha Mágica


De que vale ler? – perguntou-me piedosamente a minha mãe, certo serão, no natal.
Eu sorri, em resposta. O que queria dizer, com esse sorriso, é o que a seguir vos direi.
Li, pela primeira vez, “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, entre 24 de Dezembro de 2009 e o primeiro dia de 2010. Aconteceu-me algo tão grande como ir de súbito à lua ou encontrar Jesus num entardecer em Mira. Como uma droga, o livro entrou por mim dentro e obrigou-me a adiar sono, refeições, sociedade.
O mesmo me sucedera, por exemplo, com “Memórias de Adriano” de Yourcenar, “Cem Anos de Solidão” ou “Amor em Tempos de Cólera” de G. G. Márquez, “O Inverno do Nosso Descontentamento” de Steinbeck, “O Barão Trepador” de Italo Calvino, “Aparição” ou “Em Nome da Terra” de Vergílio Ferreira, “Vindima” de Torga, “A Lã e a Neve” de Ferreira de Castro, “Esteiros” de Soeiro Pereira Gomes…
Com “A Montanha Mágica”, a minha vida acrescentou-se muito de humanidade (nomes, gente, opiniões, comédias e dramas, mistérios, medos, presenças, desaparecimentos, rotinas e surpresas). Estive, durante os sete anos da acção, na Suíça: soube, a cada dia, tudo dos almoços e jantares dos tuberculosos residentes, das consultas, das radiografias, dos exercícios terapêuticos, dos diagnósticos, dos passeios, das variações de temperatura, dos falecimentos, da morredoira esperança, das notícias da planície, das festas, das despedidas.
O livro é imenso (cerca de 800 páginas). Mas cabe neste cartapácio uma coisa maior do que mil páginas que fossem: a Vida. Não apenas a vida de Hans Castorp, Joachim e companheiros. A vida que, vistos por fora e por dentro, os homens e mulheres são. A vida que, vistos por fora e por dentro, os homens e as mulheres somos.
A personagem principal sai do sanatório, ao fim de sete anos, e vai combater na Primeira Grande Guerra. Já eu não saí dali nunca mais. Ou melhor, a montanha mágica nunca mais saiu de mim.
Mãe, vale a pena ler.


Ribeira de Pena, 30 de Março de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Nota 1: Bela prenda foi esta que a M.P. e a V.L. me deram. Viva o Natal! Nota 2: A minha “Montanha” é uma edição da Dom Quixote, Lisboa, 2009. Nota 3: Não sei falar alemão. Mas, sobre a tradução de Gilda Lopes Encarnação, tenho a dizer que nunca tropecei em incomodidades semântico-lexicais ou incongruências sintácticas. Creio que isso é um (bom) sinal da qualidade da tradutora.]

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