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quarta-feira, 3 de março de 2010

A Literatura como Viagem


Hás uns quinze anos, quando cheguei a Ribeira de Pena, trazia de Coimbra as saudades de família e amigos.
Um amigo antigo, para me consolar, disse-me: Deixa lá. Fazes novos amigos num instante.
Mas eu bem sabia que não se fazem amigos num instante. Um amigo leva tempo a fazer. E mesmo quando falamos de amizades feitas no serviço militar, na faculdade, na emigração, que devêm tão grandes como as maiores, é porque o tempo da sua fermentação é aí distinto do tempo calendário. Dias, então, são meses. Meses são anos. Anos, vidas.
Em Ribeira de Pena, pude conhecer muita gente nestes quinze anos. Fiz (e até já perdi) alguns amigos.
O Manuel Vilela, que trabalha na Escola local, foi uma destas epifanias. Habituei-me a trocar com ele cumplicidades, angústias, sonhos. Falamos de futebol (ele finge que “é do Salgueiros”, mas sofre escandalosamente pelo Benfica). Intercambiamos histórias. Gostamos ambos de fado de Coimbra (mesmo em versão karaoke).
Este meu amigo foi à guerra. Cumpriu serviço militar, na década de 70 do século XX, em Moçambique. Como se trata de um bom contador de histórias, as suas memórias de África foram, para mim, uma magnífica possibilidade de viagem que não poderia desperdiçar.
Fiz dessas histórias - contadas no Ali-Babá, no Voice, no Cantinho do Churrasco, no Convívio, na Pastelaria Silva, ao balcão da sala de professores - material literário para um romance (“O Livro dos Negócios, das Adivinhas e dos Provérbios” – Ribeira de Pena, Ed. Casa de Santa Marinha, 2000). O Manuel Vilela autorizou-me essa vindima e o vinho que viesse.
Recordo, entre outras, a lembrança do regresso das tropas à “metrópole”, no Niassa: muito silêncio e muito desânimo. Paradoxalmente, o contrário do que sucedera à partida de Alcântara para o desconhecido. Coisa já vista em Telémaco, filho de Ulisses, que também não pôde regressar o mesmo a Ítaca.
O Manuel Vilela gostou do meu livro, necessariamente distinto da matéria-prima que o ajudou a nascer.
E eu (perdoai o clichê) confirmei que é possível viajar no tempo e no espaço pela literatura.
Lendo ou escrevendo.
Lendo e escrevendo.

Ribeira de Pena, já 3 de Março de 2009.
Joaquim Jorge Carvalho

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