Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Zero


O zero é uma invenção da matemática:
A regra dos algarismos é contarem presenças
Coisas, factos, evidências, seres, ganhos, metros
Minutos, horas, dias, meses, anos, séculos –
Mas o zero é isto tudo ausente, o zero
É nada.

Os sábios precisaram do zero para nomear
O que não há, não está, não vive, não importa
E chamaram às operações que dão rigorosamente zero
Contas certas.

O zero está no princípio e no fim dos números
(Ao princípio não era o verbo, era o zero)
E zeros excessivos à frente e atrás
Podem ser a guerra ou podem ser a paz
(Fortunas espantosas ou falências vergonhosas).

Soube desta invenção do zero pela wikipédia
Mas só a percebi verdadeiramente naquela manhã
Quando meu pai morreu, à revelia da primavera
E eu, antes de chorar, recordei a infância, a praia
De mira, o futebol no corredor da casa velha
O after-shave económico, a sua barba rija
O óleo dos carros e a hipocrisia encantadora
Com que enganava a minha pobre mãe.

A morte, pai. Tu nunca mais. Zero,
A conta talvez certa.

Ribeira de Pena, 25 de Fevereiro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[O poema foi escrito em Março de 2007. E foi o primeiro depois de ele se ter ido embora. Foto-supra: JJC, Ribeira de Pena, 25-02-2010.]

2 comentários:

Anónimo disse...

Uma fotografia é, supostamente, uma janela aberta. Através delas, tanto da janela, como da foto, podemos tornar nosso o que vemos. Quando uma fotografia tem data, tanto ela, como o momento a que se refere, ficam datados, impedindo-nos a apropriação. Por isso, esse momento sublime de uma árvore e uma igreja incandescentes, foi apenas seu. Para nós é como espreitar pela janela dos outros e imiscuirmo-nos nos seus momentos mais íntimos. Não é agradável!
Faça-nos felizes e dê-nos também a possibilidade de revisitar esse momento, já que nos faz o favor de nos dar também outros, igualmente sublimes. Faça-nos isso, não seja egoísta!

CG

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Obrigado por ter vindo.
Percebo o que diz no seu comentário, mas prefiro ler o epíteto "egoísta" como um poético exagero da argumentação.
Tentarei corrigir o referido aspecto técnico, prometo.
abraço!
JJC