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Número de Ondas

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Leão triste


Em Ribeira de Pena, é-se do Benfica ou do Porto. Eu sou, nesta rígida dicotomia, uma civilizada aberração. É que, na minha Coimbra natal, até há pouco tempo, era-se do Benfica ou do Sporting. Eu, por influência familiar (como é normal nestes casos), fiquei leão.
Sofro, desde criança, com as glórias e tragédias verde-brancas. Odeio hoje mortalmente Xistras, Olegários, Ferreiras, como já odiei no passado Paratys, Calheiros, Garridos e Pereiras. Sou incapaz de sofrer em silêncio as opiniões enviesadas de águias ou dragões sobre a enésima vez em que fomos vítimas de azar ou de arbitral injustiça. Tomo a palavra e argumento, seja onde for, convicto da minha indiscutível verdade. Chamo múmia e pé frio ao pobre Jesualdo (que os portistas não suportam mesmo ganhando)e rio-me publicamente das (in)competências linguísticas do Jorge Jesus (que assassina o Português com chicletada pose catedrática, afirmando que "a gente vamos muita fortes, adonde..."). Mas ouço, com atenção respeitosa, o Carvalhal explicar que "o 4.º golo do Cardoso veio descontextualizar o que se passou na partida". Sou um caso perdido.
O pai de um amigo meu, sportinguista e doente como eu, levou esta irracional afeição a um épico limite. Na década de 80 do século passado, o Sporting foi eliminado da Taça UEFA pelo Nápoles (de Maradona), após desempate por "penalties"; ora, o pai deste meu amigo, na ressaca do revés, ficou em silêncio aquele resto de serão, recusando o jantar, conversas, um chá. Foi, já noite avançada, deitar-se e morreu.
Lamento-o e percebo-o muito bem. Eu próprio morro, de forma mais escondida e covarde, a cada jornada, quando as coisas correm mal. E, em épocas como esta, haveis de convir, a dor assume proporções inauditas. Ao contrário, quando o Miguel Garcia marcou, na Holanda, no último minuto do prolongamento contra o AZ Alkmaar, e "nos" levou à final de uma competição europeia, o mundo pareceu-me um lugar formoso e justo...
Tenho saudades de andarmos a lutar por títulos. Preciso urgentemente que o inverno deste futebol acabe e tudo seja possível, de novo. A nossa primavera começa lá para Julho, com treinador novo. Bem sei que, à minha volta, a turba maioritária anda eufórica. Mas até me consola o facto de sermos menos que "eles": é condição da coisa preciosa que seja (mais) rara. Passa-se isto mesmo com o ouro, no universo dos outros metais.
Entretanto, é preciso que o Adrien saia do onze.

Ribeira de Pena, 11 de Fevereiro de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

8 comentários:

Paulo Araújo disse...

Gostaria de ter esse teu dom de passar para palavras, de forma tão cristalina, aquilo que te vai na alma...
Como não o tenho, resta-me contemplar o que o meu coração me queria dizer de cada vez que assistia penosamente aos jogos do nosso Sporting!
Arrancaste-me as palavras do peito Qum Jorge, do meu, do teu e de mais uns milhões de lagartos como nós
Grande abraço

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Amigo,

É um prazer saber de ti ao fim de tanto tempo.

Abraço (com efe-erre-ah e tudo)!

QJ

JA disse...

Neste momento, caros companheiros leoninos, temos que estar unidos na dor. Pelo menos hoje, ao ler este texto, encontrei a referência a algo que atenua a minha dor...essa recordação de Alkmaar. Nesse dia sofri muito, muito mesmo. Talvez o jogo que me fez chorar mais. Nessa altura chorava muito facilmente, mas mesmo assim, não é desculpa para chorar o jogo quase todo. E quando o jogo acabou, o choro não cessou, mas aí já eram lágrimas de alegria.
Agora choro por dentro :(

P.S.Estou confusa, como é que se explica que o texto tenha sido assinado a 12 de fevereiro e publicado a 11 de fevereiro do mesmo ano? Já não sabe a quantas anda, é? ;)

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Obrigado pela visita.
A ideia de nos unirmos na dor é boa, mas melhor mesmo era unirmo-nos na festa (que tarda tarda tarda).
Quanto à questão da data, é verdade! (Já corrigi.)
Beijinho.
JJC

Paulo Pinto disse...

Já antes visitei o teu blog, mas não encontrei palavras para comentar nenhum dos posts (é assim que se diz?) que colocaste. Porquê? Porque às palavras profundas e belas não é fácil replicar com algo que as mereça. Um comentário banal soa quase ofensivo... Ainda se o gajo falasse de política, ou de corrupção, ou de maneiras de comer bacalhau, ou de futebol... Eh pá, o que é que ele está aqui a fazer vestido de lagarto? Atreveu-se a meter ISTO no blog dele? Ora agora sim... alea jacta est. Vou corresponder ao teu apelo, e enviar um comentário. Ei-lo:
O Sporting tem tudo para um dia regressar à ribalta: adeptos, estruturas, tradição, mística, algum prestígio, o facto de estar sediado na capital... Por mim, desejo que o Sporting se fortaleça, pelo menos o suficiente para se impor ao Benfica (desde que continue a perder com o FCP, é claro...) e prestigiar Portugal nas provas europeias. Parece-me, a mim que pouco ou nada sei disto, que o Sporting precisa de: 1 a)- abandonar por algumas temporadas quaisquer pretensões de ser campeão nacional ou europeu ou seja do que for, que só contribuem para repetidas frustrações dos adeptos; 1 b)- acabar de vez com essas ridículas lamúrias sobre os árbitros que em todos os jogos roubam 14 penalties e 35 foras-de-jogo ao Sporting; 2- reorganizar-se internamente; 3 - apostar a longo prazo, fabricando talentos nas camadas jovens e formando aí a base da equipa principal; 4 - contratar jogadores em pequeno número, mas ambiciosos e com carisma (o actual plantel parece composto de jogadores inseguros, tristonhos e quezilentos); 5 - ressuscitar a mística do clube, usando os símbolos, as cores, as figuras do passado do clube, tomando iniciativas galvanizadoras do orgulho leonino...; 6 - rezar muito a Nosso Senhor (o único mais poderoso que Jesus) por uma grande vitória que simbolize o ponto de viragem para uma fase gloriosa do clube.
O Porto passou décadas na obscuridade, raramente se sobrepondo aos grandes de Lisboa... e o seu tempo chegou. O Sporting pode inverter esse ciclo. Coragem, amigo lagarto!

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Olá, Paulo!
Obrigado pela visita. A tua presença está condenada a enriquecer os espaços por onde viaje.
Sobre o teu comentário (aproveitando a distribuição ordinal das ideias expostas):
a 1.ª, alínea a), embora racionalmente compreensível, é impraticável (o que diz bem da importância da prevalência da emoção nisto de futebóis); a alínea b)é tão paternalista que te dispenso de me perceberes a azia;
a 2.ª enuncia uma fatalidade, que virá decerto a verificar-se (nem que seja preciso que o paciente, antes, caia nos cuidados intensivos);
a 3.ª, em boa verdade, corresponde à linha que vem sendo seguida, sem grandes resultados up to now;
a 4.ª, embora pertinente, desvia o foco de uma questão verdadeiramente estruturante - a escolha de um treinador competente e ambicioso;
a 5.ª - ideia de "ressurreição" - parte de um pressuposto equívoco, o de que a mística morreu: não morreu, está só à espera de um pretexto para se tornar (mais) notada;
a 6.ª é a mais sportinguista de todas, mas até nisso estamos em desvantagem: o Benfica tem mais almas a rezar pelo clube; o Porto beneficia da consabida intimidade (salvo seja) de Pinto da Costa com Nossa Senhora de Fátima.

Resumindo, saúde e bola para a frente! Atrás de tempos, tempos vêm. O futebol é só um jogo. Ganhamos para o ano, digamos assim.
Um grande abraço de estima e admiração, Amigo!
(Vem mais vezes.)

JJC

PS: O Joel Neto escreveu, hoje, uma imperdível crónica no JN sobre o Sporting. (No meu blog há um link para netojoel.com.)

Vânia Carvalho disse...

Hoje um call center da PT Comunicações recebeu uma chamada de um cliente MEO que pretendia retirar a Sport TV. O assistente do Call Center, com postura muito comercial e proactiva que lhe valerá uma boa nota na avaliação da chamada, falou de todas as benesses desse canal, da possibilidade de ver bom desporto sem sair de casa, e por aí fora... O cliente responde, tristemente: "Não vale a pena, quero retirar o canal durante os próximos meses... Sabe... é que sou do Sporting..."

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Na PT deveriam ter uma modalidade qualquer que salvaguardasse essa situação excepcional, uma espécie de "período de suspensão ou de carência", não achas?

Beijinho.

JJC