Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

terça-feira, 27 de abril de 2010

No Divã de Mim


1. O universo nunca bem dorme. É uma verdade conhecida, universal: só dorme o que tiver a consciência tranquila.
Eu tenho uma cumplicidade com o universo. A noite chega sempre justamente, e o sono não.
Esta falta da burguesa pontualidade do meu sono rouba-me em manhãs o que me dá em literatura. Leio, escrevo, preencho a insónia. Mas não chega. A insónia sofre-se.

2. A minha consciência nunca está tranquila. Nunca me livrei de uma espécie de remorso que é sentir o tempo a passar. É como se eu próprio tivesse a responsabilidade de haver fim.
É isto o mundo. É assim a vida. Sei que todos os dias encerram a possibilidade de nos despedirmos (uns dos outros; da vida; do mundo; até da insónia). E assusta-me muito este défice de eternidade com que nascemos.

3. Este blogue é, às vezes, uma maneira de me olhar ao espelho. Um divã psico-lírico-analítico. Tantas vezes não gosto do que vejo, do que me ouço dizer. Tantas vezes me apetece partir o espelho, fugir do divã.
O meu amigo Francisco Botelho tinha um blogue, também. Ainda tropeço nele, googlando coisas sobre Ribeira de Pena e sobre os meus livros. Acontecerá um dia, comigo também, que alguém me revisite neste “Muito Mar” e, por minutos, tenha a ilusão de estar falando com um vivo?
Acontece-me pensar na VL e na MP lendo-me depois de eu já cá não estar. Gosto, confesso, da ideia de estarmos mais ou menos juntos, assim, mas o simples imaginar da cena provoca-me um choro de criança.

4. É por causa de amarmos que é triste a morte.
E é muito injusto, por isso, haver esta simultaneidade de amor e morte na condição humana. Deveria ser uma coisa OU outra.
Deus, supremo-autor putativo desta literatura do universo, que tenha a bondade de me desculpar: a obra é grande e delicada mas está mal feita.


Ribeira de Pena, já 27 de Abril de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A foto-supra é, como são quase todas as fotos, sobre o movediço Tempo. Tem a saudosíssima Tia Branca do Rosário, a MP, a VL e o RS.]

5 comentários:

Anónimo disse...

"Deus, supremo-autor putativo desta literatura do universo, que tenha a bondade de me desculpar: a obra é grande e delicada mas está mal feita."

A respeito só sei dizer que, há um ano, três meses e dois dias atrás o assunto era-me indiferente. Todo o tempo que passou desde então são sinónimo de tristeza, dor e revolta, desilusão e sobretudo, muitas... muitas saudades. Espero anciosamente pelo momento das recordações. Quando virão?... mais uma vez o tempo o dirá.

R lapin

Anónimo disse...

Texto fantástico. Plenamente de acordo. Quantas vezes pensei o mesmo e não fui capaz de o "passar ao papel" de forma tão perfeita.
Luís Santos

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Obrigado à R.C. e ao L.S. por visitarem este Mar. Os vossos comentários tornam-no maior e simultaneamente mais próximo.
JJC

Anónimo disse...

A propósito, estava eu, um dia destes, a conversar com um amigo do meu pai que tem por volta dos seus 80 anos... a páginas tantas dizia ele: "deveríamos viver 300 anos, os primeiros 100 serviriam para aprendermos a viver, os segundos para vivermos e os terceiros para gozarmos a reforma...e esta einh?

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Tirando o pormenor (inverosímil) da reforma, completamente de acordo com o octogenário. Abraço! JJC