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domingo, 11 de abril de 2010

Humberto Delgado & Nós



O centenário do nascimento de Humberto Delgado foi marcado, sobretudo, pela exibição de um documentário (começado, salvo erro, em 2005) sobre a figura deste militar. O filme chamou-se “Meu Pai, Humberto Delgado”, tendo argumento de Frederico Rosa e realização de Francisco Manso.
Em 1958, Delgado desafiou a ditadura salazarista. Embora fosse general, com fatais ligações ao regime vigente, representou então o grito de liberdade que outros, menos capazes ou menos corajosos, não foram capazes de assumir.
Interrogado, no lançamento da sua candidatura, sobre o que faria ao presidente do conselho (António Oliveira Salazar) caso ganhasse as eleições, foi lapidar: “Obviamente, demito-o."
O regime fascista tratou de, por todos os meios, silenciar este combatente: filtrando as notícias nos jornais e na rádio, censurando opiniões, lançando boatos, mentindo, manipulando, prendendo, agredindo, “excomungando”.
Mas deu-se, há cinquenta anos, esse milagre, recorrente na narrativa da humanidade e das civilizações, de o povo vencer o medo e a “verdade oficial”. Pelo país, repetiram-se manifestações de apoio ao general, como se Portugal fosse visitado por um magno vento libertário, ao arrepio de instruções ministeriais ou da repressão policial (fardada ou secreta).
Sabe-se que esta história não acabou bem, se vista do lado dos que amam a liberdade. Delgado, recorde-se, foi vítima de uma das maiores vigarices eleitorais da História. Mais tarde, seria obrigado ao exílio. Finalmente, foi assassinado, em território espanhol, muito perto da fronteira portuguesa. Só no dia 25 de Abril de 1974 se cumpriria o sonho do general.
Celebrar, hoje, Humberto Delgado e a sua luta significa estar activamente do lado das causas que valem a pena: liberdade, democracia, tolerância, cidadania.
Por razões de economia, há em Portugal quem esteja disposto a pactuar com regimes como os da China, de Angola, da Arábia Saudita, etc., onde valores fundamentais da dignidade humana são postos em causa. Nada se lhes exige porque política e economicamente não é oportuno. A um nível mais doméstico, lembro-me até de o presidente Cavaco Silva quase pedir desculpa por visitar certo arquipélago português, ignorando cinicamente certas afrontas senhoriais.
Hoje, como em 1958, é importante que nos perguntemos de que lado estamos. A hipocrisia, ainda que elevada a razão de Estado, não deixa de ser o que é: uma prostituta com um livro de cheques no lugar do coração.


Coimbra, já 11 de Abril de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[Uma 1.ª versão deste texto foi publicada no “Ecos de Cabeceiras”, em Maio de 2008.]

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