Bússola do Muito Mar

Endereço para achamento

jjorgecarvalho@hotmail.com

Número de Ondas

domingo, 4 de abril de 2010

Esperança


Na minha sala, em Coimbra, há uma reprodução de um muito lindo quadro de Vieira da Silva: “A Poesia Está na Rua”.
É um quadro sobre Abril de 1974 e, mais do que isso, sobre a própria ideia de liberdade em festa.
Às vezes, parece-me que, em vez de estar eu a olhar para ele, está ele olhando para mim. E a inversão da normalidade olhadora tem consequências: não sou eu a perguntar por Abril, pela dívida que temos para com os que sonharam, no quartel do Carmo, um país melhor do que este; é Abril a perguntar por mim, pelo que é feito da minha imortalidade cheia de esperança.
Digo-lhe: Ó Viera da Silva, com a idade, chega a doença e a morte de quem amamos, chega a desilusão, chegam os problemas na próstata, chegam as saudades e o chega o cinismo…
E o quadro responde-me: Mas isso que nos chega não chega para matar a esperança, homem! Não tens uma filha? Não tens alunos? Que direito tens tu de desistir da esperança?
Aceno, por dentro dos olhos, afirmativamente. E vou ver se consigo, por um mês que seja, ter sobre o país uma ideia bondosa.
Desculpai-me, se puderdes. A ingenuidade, por enquanto, está na minha rua.


Coimbra, já 04 de Abril de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[O quadro-supra (“XXV de Abril de 1974 (A Poesia está na rua)”) é de Vieira da Silva.]

2 comentários:

Estamos Vivos disse...

Lembro-me do 25 de Abril em Coimbra, tinha eu 12 anos e estava a acabar o ciclo preparatório do ensino secundário numa escola, a Silva Gaio, capitaneada na figura autoritária do director que era um democrata, mesmo antes de Abril, defendendo junto de nós alunos e professores as ideias que liberdade fazia voar e pairar sobre nós - Vilarinho Raposo - a quem presto homenagem no blogue do Quim Jorge.
O rio levava laranjas das cheias dos laranjais do Mondego. O padeiro tinha dado a notícia às 6 da manhã na porta da minha mãe. O meu pai gritava lá dentro que "já sabia", para termos "calma"."Vamos ver o que é". Tinha ouvido ou a BBC ou a Rádio Moscovo na galena que escondia no sótão da nossa casa, tão cheia de esperança e segredos, afinal.Luís Lobo

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Caro Luís,
ainda bem que a nossa memória é cúmplice. E não há melhor aconchego que esse, talvez, que o de residirmos - ainda que por breves momentos - nessa lembrança pura, quiçá ingénua, que também fomos/somos.
O melhor sumário é essa expressão linda com que assinas: "Estamos Vivos".
Abraço!
JJC