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Número de Ondas

terça-feira, 6 de abril de 2010

Crato & a Escola Pública


Mário Crespo conduz, desde há algum tempo, na Sic Notícias, um programa de debate político.
Um dos seus comentadores residentes é o professor Nuno Crato, que ganhou notoriedade nos média portugueses com desassombradas opiniões sobre a Educação.
Já me aconteceu concordar com este senhor: estou com ele quando recusa o discurso dos alunos coitadinhos, incapazes de triunfar no mundo dos estudos por indelével desvantagem social (sou filho de operários e sei bem que há uma parte importante do nosso destino que depende da vontade, da persistência, do inalienável mérito); estou com ele quando recusa a fatalidade de a Escola ser um território obrigatoriamente em conformidade com o mundo "lá fora" (por exemplo: se lá fora se vê mais televisão do que se lê literatura, assume-se como vantajosa a inclusão, nos manuais, de textos informativos, de crítica televisiva, de nomes "populares" do star system...).
Mesmo o seu asco público às ciências da educação tem alguma razão de ser: também eu me revoltei, uma vez por outra, contra propostas e medidas nascidas mais de teorias abstrusas do que do conhecimento efectivo do terreno educativo. O problema é que, aqui, a radical rejeição dos contributos das ciências da educação é tão cega como a cega aceitação da sua bondade (e Nuno Crato está indisponível para o reconhecer).
Ontem, vi Crato, na Sic Notícias, pela enésima vez perorando sobre a Escola pública. Entre outros dislates, considerava que as boas classificações dos alunos inscritos em colégios privados resultavam de estes estabelecimentos de ensino terem "os melhores professores".
Esta falácia continua a fazer as delícias dos distraídos ou dos que, por razões de ideologia ou de mercearia particular, defendem o investimento no ensino privado.
Eu não me esqueço do facto de, no ano lectivo de 2001/2002, a Escola E. B. 2, 3 de Ribeira de Pena (Vila Real, Trás-os-Montes) haver conquistado um lugar no "top ten" nacional em Filosofia. Dizia-o o tão requisitado, por "opinion makers" pátrios, ranking de escolas: com base nos resultados obtidos no 12.º ano, aquela Escola (pública) fora uma das melhores a ensinar Filosofia. Aleluia? Não bem.
Acontece que, nesse ano lectivo, não houvera professor de Filosofia; a Escola oferecera, em vez dessa disciplina, uma outra - Sociologia. Os alunos (cerca de uma dezena) que participaram no exame fizeram-no a título de auto-propostos. Eram, na sua maioria, bons alunos, de estrato económico razoável, com bom ambiente familiar. O que o exame comprovou foi essa realidade sobre os discentes, que infelizmente não eram - do ponto de vista do perfil social e académico - a maioria.
Ora, os colégios privados escolhem os seus alunos: o crivo começa no poder económico (e, concomitantemente, social e cultural) dos respectivos agregados, e pode ir até à selecção dos melhores dos melhores, com base em referências disciplinares e académicas. Depois, por muito má (ou até inexistente) que seja a docência, os resultados académicos aparecem.
Já à Escola pública comete-se aceitar obrigatoriamente todos os alunos. Incluir em lugar de excluir.
É difícil perceber isto?
Sou o primeiro a defender uma necessidade de melhorar a Escola pública (no grau de exigência, na defesa da disciplina, na resposta adequada aos vários públicos que inevitavelmente existem em cada estabelecimento de ensino).
Mas, aos Nunos Cratos do país, eu deixo este recado fundamental: não é pela demagogia ou pela análise (voluntária ou involuntariamente) falha de rigor que se começa a mudança.


Coimbra, já 06 de Abril de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em video.sapo.pt]

2 comentários:

Paulo Pinto disse...

Subscrevo integralmente o que dizes. É certo que um colégio privado pode (se quiser, o que não quer dizer que todos o façam) seleccionar também os docentes por critérios de experiência, mérito ou currículo. Essa possibilidade é quase inexistente nas escolas públicas. Mas são universos tão distintos que não podem (não devem) ser comparados no mesmo plano.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Condições, à partida diferentes, comparação injusta. É isso mesmo.
Abraço, Paulo!