sexta-feira, 2 de abril de 2010
Estação do Mesmo
Manuel António Pina, o mais saboroso e lúcido cronista do nosso jornalismo (além de altíssimo escritor), lembra no JN, no seu artigo de 1 de Abril, o facto de o famoso bloco central governar o nosso país há décadas e de, «mais “campanha negra” menos “campanha negra”, mais ou menos gritaria de “violação do segredo de justiça!”, mais robalo menos robalo», ser cada vez mais «problemático distinguir uns dos outros».
Eu tenho andado sombrio como um cínico. Mas minha passividade é só aparente. Por dentro, hesito ainda entre uma indiferença superadora e o ressentimento revolucionário. Tenho lido revelações sobre os vencimentos dos senhores administradores, e das milionárias transferências de clientelas pê-esses e pê-esse-dês do governo para as grandes empresas públicas e para os grandes grupos económicos. É a mesma gente que, com cara de pau, debita nas televisões e nos semanários sobre a necessidade de o Estado poupar, de enfermeiros e professores serem uns privilegiados, de se gastar demasiado com apoios sociais, de as rendas das casas serem demasiado baixas. A seguir, presumivelmente, vão à missinha e rezam pelos mais desfavorecidos.
Ao meu sogro atribuíram uma reforma de quatrocentos euros, no final de cerca de 45 anos de trabalho e de descontos, em vez dos quinhentos que a lei determinava. Negaram-lhe, depois, o direito à reparação da injustiça porque – explicaram administrativos, chefes de divisão, secretários de Estado, o próprio ministro – aquele infeliz contribuinte havia deixado prescrever o prazo para solicitar a correcção. Caridosamente, convidavam-no a utilizar os serviços de um advogado (talvez prescindindo, entretanto, de comprar os seus remédios e de alimentar a família).
A gente desaponta-se, lamenta-se, desacredita, reacredita (cada vez menos), vota de novo (cada vez menos), desaponta-se, lamenta-se de novo, desacredita (cada vez mais).
Tudo parece repetir-se a cada governo: rasgam-se as promessas programáticas, critica-se quem esteve antes no poder, acena-se com crises terríveis que obrigam a sacrifícios, assegura-se o conforto aos amigos, aos correlegionários, aos compadres, à prole própria e à prole próxima.
Lembro-me de, viajando no metro em Lisboa, ouvir a voz gravada de uma donzela a informar sobre a “próxima estação”. No caso do nosso país, é tão grande o desencanto que a mim me parece sempre estar viajando da porcaria para a porcaria. A próxima estação já cheira mal antes de lá chegarmos.
Coimbra, já 02 de Abril de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A foto-supra (rosto de Manuel António Pina) foi colhida – com a devida vénia - no “JN”, edição de 01-04-2010.]
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