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Número de Ondas

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Manual e Mãos


No ano lectivo de 2008-2009, a Porto Editora convidou-me a colaborar num projecto aliciante e assustador: criar, de raiz, um manual de Língua Portuguesa.
Ingenuamente, acreditei que era capaz de corresponder ao desafio. Depois, perante a magnitude da obra e a violência dos prazos, arrependi-me muito.
Não deixei de colocar, sempre, os meus alunos em primeiro lugar. O manual foi feito em dolorosos serões, sábados e domingos, interrupções lectivas. A minha mulher dizia-me, com frequência, que eu ia dar em doido. Eu, doido, dizia-lhe que não se preocupasse.
O manual, entretanto, publicou-se e, ao que julgo saber, vendeu-se razoavelmente. Soube que, já no final de 2009, a editora mandou fazer uma segunda edição. Senti um doméstico orgulho pelo facto, como compreenderão.
A lembrança desta experiência surge aqui a propósito de uma conversa com colegas, à mesa de um Café, em Coimbra. Ouvi gente verberar alguns manuais e, na enxurrada opinativa, postergar autores e editoras. Senti, na íntima pele da própria experiência, a facilidade com que atacamos o trabalho dos outros.
Eu creio que nunca mais me apanharão em projecto semelhante, tão dificultosa e responsabilizante é a tarefa. Mas (re)defendo uma ideia singela: a de que a qualidade do manual de Língua Portuguesa depende, em geral, mais do uso do que da matéria-prima.
Num texto introdutório de “meu” manual, escrevi sobre esse assunto e - com licença da Porto Editora - recordo algumas das afirmações aí produzidas. O texto dirige-se, formalmente, ao aluno (utilizador a haver do livro).

Ler. Escrever. Falar. Compreender. Exprimir ideias, emoções, sentimentos. A disciplina de Língua Portuguesa é “isto”. Um manual de Língua Portuguesa serve para ter isto “à mão”.
Neste manual, encontras textos fundamentais da literatura portuguesa. Nem sempre são textos fáceis de ler e de estudar; mas a abordagem que se propõe visa exactamente torná-los mais claros, aos olhos de leitores do século XXI, como tu. A dificuldade só exclui os preguiçosos ou os resignados – e esse não é (não pode ser) o teu caso.
A cada texto corresponderá, em regra, um conjunto de perguntas; as tuas respostas – feitas oralmente ou por escrito – provarão que compreendeste o conteúdo fundamental do que leste.
Por vezes, encontrarás palavras e expressões menos acessíveis (muitas delas assinaladas a negrito). São, à primeira vista, obstáculos à tua compreensão; em boa verdade, representam uma oportunidade para, com o auxílio de professores e de dicionários, enriqueceres o teu vocabulário.
Conhecer mais palavras é um modo de, a prazo, saber mais sobre tudo.
Entre textos e perguntas, o manual oferece-te “Apontamentos” – pequenas notas explicativas acerca dos assuntos e temas de interesse. Sublinha, nesses trechos, as partes que te parecerem mais importantes e transcreve-as para o teu caderno diário. Esse simples exercício é já, acredita, um modo de estudar.
A gramática aparecerá, de forma sistemática. Não a temas. Entende-a como um conjunto de regras, que ajuda a bem falar e a bem escrever. Os exemplos fornecidos tornarão mais fácil esta dimensão do estudo e a Ficha informativa no final de cada módulo esclarecerá, certamente, as tuas dúvidas.
O que vais aprender depende muito mais de ti do que do manual. O manual (este manual) é para ter à mão. Mas precisa de ti e do teu professor. Precisa de mãos.
Não te esqueças de, no final de cada módulo, revisitar a lista de objectivos que o manual seleccionou. Deverás assinalar com um X aqueles que, em tua opinião, efectivamente atingiste.
Dito isto, é preciso que conheças alguns perigos associados à utilização deste livro.
Perigos associados, em especial, ao exercício de ler.
É verdade, amigo: o uso frequente da leitura pode ter consequências graves. Estudos recentes referem a possibilidade de os leitores (sobretudo os que se atrevem à leitura de textos literários) desenvolverem bastante a sua inteligência e a sua sensibilidade.
É igualmente provável que a literatura contribua, se lida regularmente, para a melhoria da expressão oral e escrita de quem lê.
Cientistas garantem que o uso e o conhecimento correctos da Língua Portuguesa tornam os cidadãos mais capazes e mais livres.
Agora, é contigo. Se quiseres, lê. Mas não digas que não te avisaram.



Era isso que eu pensava-escrevia em 2009.
É isso que penso-escrevo hoje.

Coimbra, já 08 de Abril de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho

3 comentários:

Anónimo disse...

Cheguei a encomendar este manual escolhendo o pagamento por multibanco que depois não realizei. Obviamente, não recebi o dito.
A vontade de o ter foi simplesmente o querer, de alguma forma, reavivar as aulas que nos deu e que deixaram saudades a todos. Ainda não há muito tempo relembramos aquele "Piquenique de burgueses" que tão belamente nos ensinou a gostar. Certamente não se lembra, mas nós lembramo-nos ainda (e não só eu) até da sala onde estavamos quando abordamos esse poema (não foi a habitual). Sabe porque nos lembramos? Pela forma como o declamou. Há coisas que ficam e marcam.

Anabela

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Caríssima Amiga e Colega Anabela,
eis uma lembrança tua ("uma coisa", digamos, que "sem histórias de grandezas", "em todo o caso dava [dá] uma aguarela") que é talvez a melhor amêndoa da minha páscoa.
Muito obrigado!
Beijinho. JJC
PS 1: Eu lembro-me das nossas aulas, nas Alpenduradas, sim. E da tua incontível sede de literatura(s).
PS 2: Não comprando o manual, prejudicaste-me em cerca de 55 ou 60 cêntimos. Ou seja, deves-me um café.

Daniel Abrunheiro disse...

Quero um livro destes, quero um livro destes.