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Número de Ondas

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Inês de Lello


A notícia que se segue veio no “Correio da Manhã”, edição de 22 Abril de 2010.
Por razões de economia expositiva, dividi-a em quatro partes (aliás, alíneas):
a) ante-título e título;
b), c) e d) parágrafos relativos ao enunciado da peça jornalística.
Depois, comentarei sucintamente estas quatro alíneas.
A notícia é esta:

a) «PARLAMENTO: DESLOCAÇÕES DE INÊS DE MEDEIROS ENTRE LISBOA E PARIS / VIAGENS CUSTAM 6 MIL EUROS/MÊS»
b) «As viagens da socialista Inês de Medeiros entre Lisboa e Paris vão custar ao Parlamento mais de seis mil euros por mês. Ontem, o conselho de administração da Assembleia da República aprovou o parecer do auditor jurídico, que defende o pagamento das ajudas de custo à deputada, com o voto de qualidade de José Lello (PS), enquanto presidente, face ao empate dos votos a favor dos socialistas e os votos contra de PSD e BE. O CDS-PP absteve-se e o PCP não se fez representar. »
c) «A decisão do conselho não é vinculativa, mas, caso Jaime Gama dê o seu aval, Inês de Medeiros terá direito a uma viagem de avião de ida e volta, na classe mais elevada, uma vez por semana entre Paris e Lisboa, que ronda os 1160 euros. Ao fim do mês, são 4640 euros, acrescidos de despesas com as ajudas de custo pagas aos deputados que residem fora da grande Lisboa (69, 19 euros por cada dia de presença em trabalho parlamentar), o que, multiplicado por 22 dias úteis, representa 1522,18 euros. Ou seja, estão em causa 6162, 18 euros, a que se juntam ainda as despesas com a deslocação entre o aeroporto e a residência da deputada. »
d) «Inês de Medeiros congratulou--se com a decisão. "A minha satisfação é isto estar resolvido e acabar com esta campanha de enxovalhos e de informação pouco rigorosa."»

Comentários:
a) O ante-título e o parecem assépticos e, até, desprovidos de interesse para o leitor comum. A cidadã Maria de Medeiros, ao que parece, decidiu fazer vida fora de Portugal, vive em Paris, é talvez lá que encontrou (como tantos dignos emigrantes) o seu trabalho – nada há a apontar-lhe. Se as viagens entre Lisboa e Paris (e, julgo eu, vice-versa) são caras, é talvez porque a senhora viaja em primeira classe (se é que é esta a vipexpressão certa) – e quem quer luxos, já se sabe, paga-os. O dinheiro é dela, sai-lhe do bolso, não temos nada com isso.
b) A coisa muda de figura a partir da alínea b). Afinal, quem paga o conforto da senhora somos nós! Os contribuintes, os eleitores, os governados, os – digamos assim – pategos do costume. O Partido Socialista quis fazer deputada a cidadã Inês de Medeiros, que lá aceitou fazer o frete de cuidar da pátria durante um mandato, mas sem mudar a residência. Quem paga o capricho do PS não é o PS, nem a cidadã Inês: é o povinho resignado e néscio, que olha espantado para as vicissitudes extraordinárias da democracia moderna. Parece que seis mil euros por mês é pouco ou nada para o parlamento português, e entretanto os senhores deputados falam no perigo de bancarrota, em sacrifícios, em diminuição urgente da despesa do Estado.
Há uma coisa em que somos mesmo pobres, em Portugal: é em decoro. Os romanos legaram-nos esta bela palavra que, idealmente, deveria transportar um nobre e decente conceito dentro de si. Na Assembleia da República, que é onde Inês está nos intervalos da sua vida parisiense, trata-se de uma palavra desconhecida ou fora da validade. Parece que foi um senhor chamado José Lello que deu o seu “voto de qualidade” para tornar possível o indecoroso. Sobre a qualidade de José Lello, estamos conversados.
c) Confesso: parece-me caro o que o país paga pela deputada parisiense. Não é só pelo precedente; é sobretudo por me parecer que somos uma espécie de – digamos – Paços de Ferreira futebolístico que paga preços dignos do Real Madrid por futebolistas do campeonato distrital.
d) Parece-me natural que a deputada parisiense se congratule com a decisão. Entre as necessidades do país e as suas próprias necessidades, a cidadã Inês haveria de estar mais preocupada com quê? Esta é a nossa (de Inês de Medeiros e do Zé-povinho que somos) ditosa, amada pátria. Terra, como se sabe, de grandes gestos e de grandes gestas. Terra de grandes conquistas e de grandes amores.
Lembro-me, de súbito, daquela famosa homónima desta senhora deputada, a Inês outra, que amou o príncipe Pedro e, por amor, morreu. É a Inês cantada n’Os Lusíadas e não na página triste do Diário da República. É a Inês que veio do estrangeiro para Portugal e aqui viveu sem requerer, de Espanha, ajudas de custo.
Sumário: a história da Inês de Pedro não acaba bem, mas é bonita; a história da Inês de Lello acaba (aparentemente) bem, mas bonita não é.


Coimbra, já 23 de Abril de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem-supra foi colhida – com a devida vénia – no “CM”, edição de 22-04-2010.]

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