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Número de Ondas

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma história para homens sem juízo


Comprei, em saldos, um livrinho de Jacques Prévert publicado originalmente em 1963 (ano do meu nascimento) e que a Teorema em boa hora decidiu recuperar. Chama-se Histórias para meninos sem juízo (tradução para Português de Pedro Tamen). Recorrendo ao universo da fábula, o autor fala – sobretudo – da sociedade dos homens.
Houve um excerto que me impressionou particularmente e que ecoa qualquer coisa do Animal Farm, de Orewll. Relatando a exploração a que os cavalos eram submetidos pelos homens, o narrador dá conta da iminente revolta equídea e diz (páginas 62-67):
«Então, todos os outros pobres cavalos começarão a compreender e irão todos juntos falar-lhes grosso. // Os cavalos: “Meus senhores, está bem que puxemos os vossos carros e as vossas charruas, que façamos as vossas corridas e todo o trabalho, mas hão-de reconhecer que é um serviço que lhes prestamos e vocês têm que retribuir; muitas vezes comem-nos depois de mortos, e não temos nada a dizer quanto a isso, já que gostam: é como com o pequeno-almoço da manhã, há os que tomam aveia com café no leito, outros aveia com chocolate, cada um tem os seus gostos; mas também muitas vezes nos batem, e isso não deve tornar a acontecer.” // “Além disto, queremos aveia todos os dias, água fresca todos os dias, e também férias, e que nos respeitem – somos cavalos, não somos bois.” // “Ao primeiro que nos bater, mordemos-lhe.” // “O segundo que nos bater matamo-lo, e pronto.” // E os homens irão compreender que foram um pouco longe de mais e hão-de tornar-se mais cordatos. // O cavalo ri-se ao pensar em todas estas coisas que de certeza hão-de acontecer um dia. // Apetece-lhe cantar, mas está sozinho e só gosta de cantar em coro; então, mesmo assim, grita: “Viva a liberdade!” // Em outras ilhas, outros cavalos ouvem-nos e gritam por sua vez com todas as forças: “Viva a liberdade!” // Todos os homens das ilhas e os do continente ouvem estes gritos e perguntam a si mesmos que será, mas depois tranquilizam-se e dizem encolhendo os ombros: // “Não é nada, são cavalos.” // Mas mal sabem eles o que os cavalos lhes preparam.»

Fiquei a relinchar para os meus botões: Que tem isto a ver comigo? Connosco?

Coimbra, 30 de Julho de 2013.

Joaquim Jorge Carvalho

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