Saí
da rua de S. Miguel e corri, a razoável ritmo, até à placa que diz Eiras. Fiz
alongamentos junto a uma loja chinesa, sob os protestos de um cão que, a cerca
de cinquenta metros, felizmente amarrado a uma trela, ladrava e uivava o seu
desprezo e a sua raiva face a humanos dados ao desporto. Eu vivia já, então, a
alegria de uma história com final feliz que, por muitas horas, me parecera
narrativa para acabar mal. Aqui fica o relato.
Desde
a tarde de ontem que eu não sabia da minha carteira. Tinha lá algum dinheiro,
cartões de débito e de crédito, cartão de cidadão, cartão de contribuinte,
carta de condução - e dois ou três versos em estado de barro bruto (à espera de
oleiro paciente que lhes desse forma). Vasculhei o meu carro, a minha casa, a
casa de minha mãe. Fui a Cafés próximos, à estação de serviço habitual, à
padaria da rua. Telefonei à polícia. Contactei até a um banco para saber de
eventuais movimentos feitos por eventual ladroagem. Nada. Nada de nada. A
carteira não aparecia.
A
minha mãe endereçou a S. Gonçalo de Vila Nova uma reza que – garante – trata
destes casos. Enquanto tal, eu repetia, sem cessar, a minha própria busca, cada
vez com menos esperança: sob mesas, cadeiras, sofás, armários; no interior mais
recôndito de todas as gavetas; nos quartos, no escritório, na despensa, na
casa-de-banho. Subi e desci escadas como um Sísifo em modo automático.
Até
que, dentro de uma maleta da M.P., encontrei uma fotografia do meu sogro, o
Mestre João, madeirense falecido a 30 de Julho de 2010 e que foi, talvez, a
mais sábia e mais justa das criaturas que já conheci. Lembrei-me do que, há
anos, a V.L. nos confidenciara: que a memória do seu querido avô João (meu
sogro), esse optimista alegre como um santo pós modernista, tinha poderes. E que fiz eu? Olhei para o
rosto sereno da fotografia e murmurei: “Ajude-me, senhor João.”
A
seguir, desci novamente as escadas e detive-me junto do aparador que fica no
hall de entrada. Já me acontecera colocar a carteira sobre certos copos de cristal
que aí esperam, em vão, por uso. Espreitei. Uma vez mais, não vislumbrei nem
sinal do objecto perdido. Contudo, em lugar de desistir de olhar, optei por
retirar, um a um, todos os copos da frente. Caída, no magro intervalo que havia
entre a primeira e a segunda fila, lá encontrei a carteira.
Aliviado
como passarinho que, in extremis,
escapasse a um poço mortal, soltei uma expressão muito característica do Mestre
João: “Basta que sim!”
E
depois, claro, ainda lhe disse: “Obrigado.”
Coimbra, 07 de Agosto de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
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