A V. foi para o Algarve, com o namorado.
Solidariamente, levantei-me pelas sete da manhã e despedi-me com a preocupação
do costume. Duas horas e meia depois, andava por Coimbra com a F. e a Mãe,
cumprindo tarefas domésticas meticulosamente agendadas no dia anterior. Notaram
ambas que estava com cara de poucos amigos. Explico-lhes que é do sono. Ao
almoço, em vez do frango de churrasco, preferi melão e sumo. A meio do
noticiário, adormeci profundamente.
Ressuscitei pelas sete da noite, comi um pão com fiambre e
bebi um café, e fui até ao Choupal correr cerca de quarenta minutos.
Durante os alongamentos, naquela ponte que dá
acesso ao percurso pedonal, encontrei amigos de há vinte anos. Reconhecemo-nos
com desigual competência (eu decoro rostos, olhares, tiques, vozes, modos de
falar - mas tendo a olvidar nomes, o que é sempre embaraçoso). A conversa
escorre alegremente: comparamos barrigas (o A., generoso, diz que eu estou na
mesma), informamo-nos sobre a descendência que entretanto gerámos, enunciamos
óbitos conhecidos, rimo-nos com episódios da nossa pré-história. Depois,
despedimo-nos, sem a certeza de nos voltarmos a ver.
A crise também pairou por ali. O L. está
desempregado há algum tempo e o subsídio acaba no final de Setembro. A mulher
não trabalha, os filhos (bons alunos) estão na universidade. Apesar de tudo, aquele
meu amigo esteve sempre jovial durante a conversa. Foi ele que me perguntou, assim
que apareci:
- Ainda estás vivo, ó Quim Jorge?
Eu disse:
-Ainda.
Na nova gramática, “ainda” é um advérbio de
predicado.
Por uma vez, a nova terminologia linguística faz algum
sentido.
Coimbra, 15 de Agosto de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (representando Tom Sawyer e amigos) foi colhida,
com a devida vénia, em http://www.journalofseeing.wordpress.com.]
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