Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Apografia 14: Ainda


A V. foi para o Algarve, com o namorado. Solidariamente, levantei-me pelas sete da manhã e despedi-me com a preocupação do costume. Duas horas e meia depois, andava por Coimbra com a F. e a Mãe, cumprindo tarefas domésticas meticulosamente agendadas no dia anterior. Notaram ambas que estava com cara de poucos amigos. Explico-lhes que é do sono. Ao almoço, em vez do frango de churrasco, preferi melão e sumo. A meio do noticiário, adormeci profundamente.
Ressuscitei pelas sete da noite, comi um pão com fiambre e bebi um café, e fui até ao Choupal correr cerca de quarenta minutos.
Durante os alongamentos, naquela ponte que dá acesso ao percurso pedonal, encontrei amigos de há vinte anos. Reconhecemo-nos com desigual competência (eu decoro rostos, olhares, tiques, vozes, modos de falar - mas tendo a olvidar nomes, o que é sempre embaraçoso). A conversa escorre alegremente: comparamos barrigas (o A., generoso, diz que eu estou na mesma), informamo-nos sobre a descendência que entretanto gerámos, enunciamos óbitos conhecidos, rimo-nos com episódios da nossa pré-história. Depois, despedimo-nos, sem a certeza de nos voltarmos a ver.
A crise também pairou por ali. O L. está desempregado há algum tempo e o subsídio acaba no final de Setembro. A mulher não trabalha, os filhos (bons alunos) estão na universidade. Apesar de tudo, aquele meu amigo esteve sempre jovial durante a conversa. Foi ele que me perguntou, assim que apareci:
- Ainda estás vivo, ó Quim Jorge?
Eu disse:
-Ainda.
Na nova gramática, “ainda” é um advérbio de predicado.
Por uma vez, a nova terminologia linguística faz algum sentido.


Coimbra, 15 de Agosto de 2013.
Joaquim Jorge Carvalho

[A imagem (representando Tom Sawyer e amigos) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.journalofseeing.wordpress.com.]

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