sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Parábola do desconsolo provisório
De vez em quando, há na minha vida de professor alguns pormenores que me salvam do desânimo, da desistência, do nada. Chamo-lhes momentos de consolação (um silêncio bonito no devir de uma leitura; um comentário simpático sobre certa aula certa; uma visita de ex-alunos apenas porque sim; um sorriso embrulhado nos bons dias, inaugurando-iluminando a manhã). Outras vezes, não há, em vinte e quatro horas funcionárias, isso. E, outras vezes, há o contrário disso. Hoje, por exemplo.
Depois de mil acrobacias pedagógicas, de uma ou duas ironias bem sucedidas, de alguns berros (talvez demasiados berros), de cinquenta interrupções forçadas, termino a aula de Francês e desejo bom fim-de-semana a todos. Um aluno (como dizer?) difícil suspira, então, à minha saída: "Aleluia!"
Notei bem na palavra o alívio que a minha partida provocou neste rapaz e, visto o desabafo pelo avesso, percebi o fardo que, durante quarenta e cinco minutos, fora para si.
Se eles soubessem o poder que têm! Se eles desconfiassem de quão facilmente podem destruir um fim-de-semana, uma carreira, uma vida!
Uma voz pergunta-me, cínica, já no caminho para Ribeira de Pena:
"Que andas tu para aqui a fazer, Joaquim Jorge?"
E eu mordo o lábio inferior e murmuro, não sem um íntimo estremecimento de remorso:
"Não sei. Talvez nada. Talvez ande só a cumprir o meu dever. Talvez ande só a pagar as minhas contas. Talvez esteja só à espera de um outro qualquer sítio para onde ir. Talvez seja um pássaro morto (no devir de formosos voos)."
Sabei, senhores, que a minha alegria foi hoje vítima de atropelamento e fuga. Está nos cuidados intensivos.
Pode ser que não morra. Acabei, há minutos, de corrigir 25 ditados de Francês. Amanhã ou domingo, preciso de preparar um teste de avaliação sobre a unidade "Faire des courses" e uma ficha formativa para Língua Portuguesa...
Ribeira de Pena, 27 de Janeiro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia em http://www.overmundo.com.]
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4 comentários:
Muitas vezes invejo os colegas que leccionam aos alunos de níveis mais avançados. Ah, se eles soubessem como é estupidificante e desmotivador ensinar só coisas elementares, não ter à frente quem entenda uma subtileza, quem conteste uma asserção! Tenho este ano a imensa fortuna de ter uma turma de 9º ano, mas sei que provavelmente será a última vez (a disciplina de Teatro deve desaparecer, é mais provável que o 2º ciclo se funda com o 1º do que a união dos grupos de recrutamento dos 2º e 3º ciclos).
Dito isto, às vezes também me congratulo. Os alunos de 10 ou 11 anos, na sua pureza e limpidez, não fariam uma maldade como essa que contas. Por vezes são capazes de juntar num belíssimo cocktail o encanto da infância e a fogosidade da adolescência. Segue-se a famosa e penosa idade da parvalheira, e é à luz deste elevado conceito (parvalheira) que deve ser avaliada a atitude do teu aluno (que já foi meu, talvez, antes de encarnar plenamente o conceito). Nós, professores, passamos a carreira a abrir portas - do conhecimento - para outros entrarem, como dizia Willard Waller. E as mil e uma purezas ou parvalheiras que passam por nós a caminho doutra coisa levam-nos por vezes à náusea. É talvez o maior espinho desta profissão.
Um abraço.
Caro Paulo, comungo naturalmente de quanto (tão bem) dizes. Mas, como tentei sugerir no final do texto, não desisto. Mesmo os habitantes de "Parvalheira" - como justamente chamas a esse território etário-mental - precisam de professores, de bons professores. Professores (toma lá um abraço) como tu.
JJC
Olá!
Tenho pena que alunos como esses não tenham a capacidade de aproveitar a sorte que a vida lhes reservou em terem um professor assim, de não aproveitarem toda a sua sabedoria e arte. Sim,porque ensinar da forma como o Professor faz é arte.
Sempre lhe quis agradecer por tudo o que me ensinou e principalmente por toda a formação que me "incutiu" de forma gratuita!
O Professor marcou a construção da minha personalidade e isso não se pode esquecer nem deixar de agradecer.
Por isso,só posso dizer:obrigada.
Maria do Carmo Mucha Fernandes
Queridíssima Maria do Carmo,
foi um prazer e um orgulho ter feito parte do teu crescimento. E é já uma realização o aperceber-me da grande Pessoa em que entretanto te tornaste. Aqui vai um beijinho e a minha estima intemporal! JJC
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