domingo, 1 de janeiro de 2012
Sabor com sol dentro
"Já viste a quantidade de sol que há dentro de uma laranja?" (Bernardo Santareno, Restos.)
Estive muito doente durante quatro dias. Virose lhe chamou a médica que me atendeu, ao segundo dia de sofrimento. Com a medicação não se resolveu logo o assunto porque, por um lado, perco absolutamente o apetite e, por outro, o meu frágil organismo não suporta comprimidos sem se encontrar devidamente alimentado. À febre, ao frio, às horríveis dores de estômago, à quase vontade de morrer - sucedeu finalmente a espantosa ressurreição de mim inteiro: com forças para me levantar, com ganas de rir, com vontade - enfim - de comer.
Aconteceu-me, durante o tempo da tortura, ter desejos talvez comparáveis aos das mulheres grávidas. Apeteceu-me, por exemplo, sumo de ananás ou laranja, chocolate, alguns frutos (cozidos ou crus). Deixai-me destacar a clementina.
Num intervalo do meu silêncio sofrido, pedi à MP isso mesmo: uma clementina. Ela desaconselhou-me a ideia. Expliquei-lhe que era apenas para ter, durante alguns segundos, um pouco desse sumo maravilhoso entre os lábios. Ela concedeu. E, durante uma inteira noite, eu beneficiei da vizinhança de uma clementina, ali sobre a mesa-de-cabeceira, como um sol saudável iluminando e aconchegando a minha fragilidade mortal.
Quando melhorei, enfim, devorei-a. E é esse momento divino (no sentido verdadeiramente religioso de "divino") que justifica esta crónica, a primeira de 2012. Tão fácil se torna perceber, na euforia do regresso ao mundo dos vivos, que os maiores prazeres podem ser simples e naturais. Enquanto o corpo e o sumo do fruto me invadiam boca, garganta, sangue, ocorreu-me que da vida deve apetecer-nos, essencialmente, que tenha o sabor luminoso da clementina.
PS: O meu sogro, Mestre João, faria hoje 80 anos, se fosse vivo. Esta crónica é-lhe (mais uma vez) dedicada.
Coimbra, 01 de Janeiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.ervanariasaudenatural.blogspot.com.]
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