Cumprindo o seu Plano Nacional de Leitura, os meus alunos terminaram hoje a leitura integral da primeira obra do ano lectivo de 2011-2012: O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, romance concluído em 1943. Sabe-se que o autor tinha em mente, sobretudo, as perversões do estalinismo, um ismo vendido pelo marketing soviético como Felicidace maiúscula, mas que veio afinal a ser (mais) uma indignidade dos homens contra os homens. A revisitação do texto, em voz alta, trouxe-me novas (e actualizadas) analogias que ora me atrevo, neste cantinho de liberdade que é o "Muito Mar", a partilhar convosco.
Tomai, por exemplo, este excerto, que reporta a avaliação de alguns humanos, em visita à Quinta onde, para além de não haver liberdade, os trabalhadores vivem cada vez pior e são obrigados a trabalhar cada vez mais. O senhor Pilkington, em discurso indirecto livre, verbaliza a opinião geral(Cf. George Orwell, O Triunfo dos Porcos, trad. de Madalena Esteves, Lisboa, Publicações Europa-América, 2005, pp.121-122.):
Hoje, ele e os seus amigos tinham visitado a Quinta dos Animais e inspeccionado cada centímetro dela com os seus próprios olhos. E o que é que tinham encontrado? Não só os mais modernos métodos, mas uma disciplina e uma ordem que deveriam servir de exemplo a todos os agricultores em toda a parte. Acreditava estar certo ao afirmar que os animais inferiores da Quinta dos Animais trabalhavam mais e recebiam menos comida do que qualquer outro animal da região. Na verdade, ele e os outros visitantes tinham observado ali muitas medidas que tencionavam introduzir imediatamente nas suas próprias quintas.
Escuso de esmiuçar exegeticamente o texto, tão cristalina é a sua mensagem tro(i)kada por contextos d'hoje. Mas não resisto a recordar parte do último capítulo, justificadamente célebre e recorrentemente recordado (cf. ob. cit., p. 124):
Não havia agora dúvidas sobre o que estava a acontecer às caras dos porcos. Os animais que estavam lá fora olhavam dos porcos para os homens, dos homens para os porcos e novamente dos porcos para os homens; mas já não era possível dizer quem era quem.
Irmãos, agora nós: quem é quem?
1 comentário:
Gosto de Orwell como pessoa por ter sido um idealista lúcido, e como escritor pela sua escrita transparente e escorreita. No «Triunfo dos Porcos» tudo alude à construção do sistema soviético. No trecho que citas, às visitas à URSS que intelectuais (Bernard Shaw, por exemplo), políticos e sindicalistas de esquerda faziam, sobretudo nos anos 20, louvando as virtudes e êxitos do socialismo mas fazendo vista grossa às perversões que já eram notórias.
Não sei que leitura poderemos fazer à luz actual, mas quanto aos porcos (ou melhor, aos homens) sabemos pelo menos difusamente quem são. Os Jones e Pilkingtons de hoje já não fundam o seu poder em terras ou títulos, mas sim em dinheiro (muuuuuuuito) e em influências ilegítimas. Falta-nos um Orwell para os pintar como bichos que são.
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