sábado, 18 de fevereiro de 2012
História breve da minha consciência social
Quando eu era criança, a riqueza de cada um de nós media-se em coisas muito diferentes dos modernos telemóveis, ipodes, tabletes, gadgets, videojogos, etc. No meu caso pessoal, toda a gente sabia que era milionário de uma tribo inteira de índios em miniatura e de uma inteira cavalaria às ordens de Daniel Boone.
Um dia, talvez por causa de alguma consulta médica a que a minha mãe não pôde faltar, tive de levar aaquela riqueza infantil para casa de uma tia ainda solteira, empregada fabril e sempre alegre. Por horas daquela tarde inteira, brinquei sozinho (isto é, com os meus cowboys e os meus índios) aos raptos, aos recontros militares, às emboscadas, à concepção arquitectónica de fortes e de acampamentos. Até chegar a minha adorada mãe e eu voltar para o lar essencial que gloriosamente éramos. O problema foi que me esqueci, em casa de minha tia, dos bonecos. Antes que chorasse, a minha mãe prometeu que no dia seguinte a dita fortuna estaria de novo comigo.
Aconteceu que, no tal dia seguinte, a minha tia recebeu a visita do patrão e sua esposa (acompanhados de uma criança de uns cinco anos). A meio do chá e das torradas de cortesia fabril, o filho dos patrões descobriu os meus bonecos e exigiu-os. E a minha tia, a pensar no emprego, deu-lhos.
Nesse dia, à noite, inacreditando no que sucedera, odiei a minha tia o mais que pude (e era muito).
Anos depois, nunca esquecendo aquela tragédia, odiei o miúdo mimado e os seus pais.
Finalmente, odiei a imperfeição do mundo que leva as melhores pessoas a fazerem tanto mal umas às outras.
Coimbra, 18 de Fevereiro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.lista.mercadolivre.com.]
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