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Número de Ondas

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

E a dicção, Senhor?


Na interminável discussão sobre o novo acordo ortográfico, tem faltado quem fale de um território fundamental da língua portuguesa: a (boa) dicção.
Em boa verdade, o argumento de que esta ou aquela consoante já não se pronuncia (ou já quase não se pronuncia) cairia pela base se se sublinhasse simplesmente, "a montante", a necessidade de se falar bem. Antes do respeito ortográfico pelo modo mais usual de pronunciar as palavras, ó senhores, valeria a pena lembrarmo-nos do respeito pela maneira correcta de se pronunciarem as palavras.
O acordo ortográfico vem, por assim dizer, "premiar" os maus falantes do Português (os que comem e atropelam sílabas, emudecem - à força - vogais sonoras, "consonantizam" a língua).
De vez em quando, lembro-me de um senhor professor universitário que, na televisão, depois de atabalhoadamente explicar o fenómeno da dissimilação, anunciou que pronunciar "vizinho" ou "ministro" estava errado; segundo a sumidade lisboeta, deveria antes pronunciar-se "vezinho" e "menistro"... O esquema mental é o mesmo: a norma parece seguir os que, por preguiça ou incúria, falam mal.
No meu quotidiano, a maioria das pessoas que tenho ouvido defender o novo acordo ortográfico são, quase invariavelmente, os que sempre escreveram mal. Penso: afinal, o que lhes interessa deve ser, acima de tudo, que a questão da ortografia seja relativizada. Que valha tudo. Desse modo, acreditam, a sua brutidade lesa-língua pode tornar-se, nesta contemporaneidade generosa, uma cena aceitável, fixe, modernaça.

Ribeira de Pena, 17 de Fevereiro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (recordando Fernando Pessa, locutor dos tempos em que era obrigatório, na rádio e na tv, ter boa dicção) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.jcmaximinofotos@blogspot.com.]

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