quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Dia bom
Não é, nunca foi meu aluno. Percebi, ao longo de anos, desde que ele apareceu pela escola, pequenino e frágil, que se tratava de uma criança irrequieta. Entretanto, deveio (diz-se) adolescente conflituoso. Entretanto, um quase homem com futuro incerto. Contudo, não sei explicar porquê, houve sempre entre mim e este conterrâneo da escola a comum respiração de um oxigénio respeitoso e divertido. Cumprimentávamo-nos a cada dia com aquele bonomia cúmplice que existe, julgo eu, entre contemporâneos felizes de o serem.
Um destes dias fui transeunte involuntário de um seu dia mau: ele discutia furiosamente com um colega, eu intervim, a conversa tornou-se acesa, depois discussão, eu fiz o papel da autoridade adulta que não admite, que avisa, que ameaça. Professor, senhores.
No dia seguinte, cruzámo-nos e ele desviou a cara, dispensando-se da saudação habitual. Se eu fosse um saudável bruto, aquilo não me incomodaria. Incomodou-me, porém.
A meio de uma tarde, avistei-o numa das minhas pastelarias-escritório. Talvez não me tivesse visto. Interpelei-o. Ele deve ter pensado que eu me aprestava a debitar novo sermão e por pouco não me virou as costas. Chamei-o e perguntei-lhe se estava zangado. Murmúrio ininterpretável. Garanti-lhe, a seguir, que tinha de si boa impressão, apesar do episódio, e que esperava da sua parte a mesma consideração e – vamos lá – a amizade de sempre. E então…
Então, senhores, aquele rapaz alto, há tão pouco tempo um menino do quinto ano que me lembro de ver na fila assustada do refeitório, disse-me isto:
- Professor, peço-lhe desculpa por aquilo do outro dia. Eu estava nervoso e fui mal-educado…
Sorri e cumprimentámo-nos à homem: um passou-bem vigoroso e franco.
E, nessa tarde, houve em Portugal um professor tocado pela graça da felicidade.
Ribeira de Pena, 16 de Fevereiro de 2012.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://www.pereiraabeldiogo.blogspot.com.
]
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