Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Relógio do Sol


A terra onde vivo é rica em velhos.
Tenho notado que eles se regulam pelo sol. Sentem o entardecer como o anúncio de um fim, remediável embora porque no dia seguinte tudo, talvez, se repetirá.
Sou há muitos anos velho nesta disciplina delicada do tempo a passar. Gosto aliás de, por ciente desse fim iminente da luz, serenamente atravessar as horas anteriores à noite. Conheço o fenómeno. Sinto-o. Domino-o.
Adormeço até muitas vezes como quem morre feliz.
Afinal, o pior dos óbitos é só a ideia de não haver amanhã seguinte, já que, enquanto vivos, se morre muito agradavelmente todos os dias, para depois regressarmos com o sangue renovado.
Eu estou já, antes do tempo oficial da velhice, um velho muito cúmplice do entardecer. Aceito a despedida do sol, compreendo-a e cumpro-a também em mim.

Que horas são?

Arco de Baúlhe, 08 de Fevereiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (pintura "Entardecer nos vales", de Alfredo Keil, do ano de 1898) foi colhida, com a devida vénia, em http://mjm.imc-ip.pt]

2 comentários:

monge disse...

O tempo ... esse eterno carrasco que, incansavelmente nos tenta separar a alma do corpo. De nada nos vale pensarmos numa natureza sem tempo, desprendermo-nos dele e atravessarmos todas as fronteiras do universo. Melhor será vivermos no presente e apreciar a duração do instante que passa.

Abraço

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Melhor será, sim. Mas (como diria Steiner) o que nos salva de desistir é sobretudo a "gramática de esperança" com que geneticamente vimos equipados. A ideia de um devir/porvir é, pois, importante. Aguenta-se tudo porque - acreditamos que há um amanhã talvez melhor que (só) isto.
Abraço!