António Vieira
O céu 'strela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.
(Fernando Pessoa, Mensagem)
1. Há gramática nos gestos nossos de cada dia: cumprimentos, recados, reuniões, conselhos, notícias de terramotos incontinentais, opinião sobre o Sporting ou sobre a assembleia da república, expressão de amor ao café, nota sobre um grupo musical (islandês) que o Nuno conhece, reconto de uma anedota politicamente inadmissível, anúncio de actividades carnavalescas, memória de canções dos anos 70/XX, glorificação da costura habilidosa e diligentíssima da D. Rosa Maria.
2. A língua portuguesa existe naturalmente, mas não apenas porque a falamos. Sobrevive sobretudo porque a utilizamos bem, isto é, com clareza, correcção & elegância. Isso de a língua ser uma "coisa viva" [sic], logo, reformulável a cada passo, anda a tornar-se um clichê perigoso no verbo modernaço de maus falantes. A língua portuguesa tem resistido porque, melhor ou pior, a temos defendido ao longo de décadas, séculos.
3. A evolução não significa desistir da norma em favor da bruta facilidade. Com os maus falantes, o tratamento devido é, em primeiro lugar, dar o exemplo, respeitando as regras da pronúncia, da sintaxe, da propriedade e clareza linguísticas. Depois, é não desistir de corrigir, explicar, ensinar. Finalmente, é chamar erro ao erro, falha à falha, crime ao crime.
4. "Ó s'tor, isso não tem importância"? Ora, ora. Antes aborrecido que cúmplice, meus amigos. Quando era pequenina, a minha filha fez-me muitos pedidos que, deliberadamente, deixei por satisfazer. Fi-lo, como ela hoje sabe, pelo bem dela (que, já então, era o meu também). A minha mãe, quando algum filhote a inundava de lágrimas (por um passeio não cumprido, uma brincadeira interrompida, uma ordem antipática relacionada com horários, alimentação, higiene, etc.), costumava dizer:
- Antes chores tu que eu...
5. Tomai dela essa sabedoria para falarmos de língua e da gramática que vale a pena defender: antes chorem os preguiçosos, fartos das nossas ladainhas correctoras, que chore a Língua.
Ribeira de Pena, 24 de Fevereiro de 2011
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (representando o Padre António Vieira) foi colhida, com a devida vénia, em http://www.becre.esct.blogspot.com]
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