quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Amador & cousa amada
A nudez mais bela é a que imagino. A outra - a ostensiva, a bruta, a escancarada - é tão excitante como uma radiografia ou um cadáver.
Não faço juízos de valor sobre a pornografia e, às vezes, espreito-a como qualquer outro porco curioso. Mas nenhuma evidência destas se compara ao erotismo.
Entre o exercício mecânico da fornicação (com suas célebres técnicas de acrobatas medicamentados) e dois pés escondidos tocando-se, sob a mesa (in)decente da condessa de Gouvarinho, não há hesitação possível, pois não?
Brian De Palma realizou um filme onde tudo quanto ora digo se (me) tornou para sempre percebido. Intitulou-o Testemunha de um Crime, e não disfarçou o facto de a sua obra se tratar de uma óbvia homenagem à Janela Indiscreta, de Hitchcock. Eu recordo-me sobretudo de uma senhora experimentando lingerie, numa pouco protegida loja de roupa, e de um enfeitiçado homem que, do lado de cá da montra, a espreitava por uma nesga de horizonte. Garanto-vos: era mais o que, entre intervalos de carne e rendas, se imaginava do que o que se via. Mas a imagem desassossegou-me hormonas e cérebro durante a vida seguinte. Ainda hoje sonho (acordado, às vezes) com a porta entreaberta daquele provador.
O sumário disto tudo tem menos de porcaria que de lirismo ou de bom senso: é que a Beleza compreende uma margem de mistério sine qua non. A nossa admiração e o nosso desejo, embora instintivos e erécteis por natureza, não dispensam afrodisíacos menos óbvios.
A graça, a inteligência, a elegância, o humor - eis algumas das outras nesgas por onde se esgueira o outro voyeur que sou.
Revelar é mais interessante do que mostrar, eis tudo.
De modo que, como eu a vejo, a Gweeneth Paltrow há-de estar algures numa esplanada em Paris. Veste uma saia demasiado curta para lhe esconder os joelhos. Toma um café vagaroso e distraído. Finge não dar conta dos olhares masculinos à sua roda, gulosos e desesperados como bem adivinho. Lê, com pose serena, um trecho de Sexus do senhor Henry Miller. A narrativa escandaliza-a e excita-a. Desvia a cadeira para que passe uma respeitável velhinha com um caniche de neve. Finalmente levanta-se e, à passagem por mim, atira para a manhã um sorriso de sol atrevido. Diz ainda, com sotaque inglês, "À demain". É, simultaneamente, uma noviça em recreio improvável, uma dissoluta à caça de amadores, uma burguesa culta cansada da normalidade e uma senhora de família no intervalo da respeitabilidade regular.
Tudo isto é imaginário e, com alguma certeza, impossível. E o resultado é que não conheço outro desejo maior do que este.
Ribeira de Pena, 02 de Fevereiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (Gweeneth Paltrow como Sylvia Plath) foi obtida, com a devida vénia, em http://media.adorocinema.com]
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