Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Departamento Pessoal de Estar Muito Cansado


À vida menos linda contrariado obedeço
P’la trela de decretos, reuniões à perna;
A outra vida que, por mim, mereço
E peço
É coisa mui diversa da tolice moderna.

Dava mil consílios por uma aula boa!
Dava mil relatórios por Coimbra ou Lisboa!
Dava o meu lugar por um lugar no mar!
Dava um milhão de cargos por serenamente
(Longe longe longe da burocracia impura)
Falar a alunos e a toda a gente
Na beleza da língua e da literatura!

Houve aquele tempo em que quis
Ser professor e me julguei feliz
Para sempre, talvez.
O sonho, sei agora, era a primavera
Que eu, antes, me era
(que nos somos só uma vez).
Mas veio depois o nevoeiro intenso
(quero dizer: este presente denso;
quero dizer: este inverno imenso) -

E o tal sonho que era ingénuo e leve
(como alguns versos, alguns amores)
Morreu algures, senhores:
Morreu na neve.

Ribeira de Pena, 16 de Fevereiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem ("Mafalda", de Quino, foi colhida, com a devida vénia, em http://transportemdp.files.wordpress.com.]

2 comentários:

Paulo Pinto disse...

Colega JJ: É com alguma dor de alma que me apercebo do teu desânimo, através dos escritos com cores sombrias que vais multiplicando. Gostaria de ter algo de interessante para dizer, mas já estou há meia hora a tentar e sempre apago as linhas que escrevo daqui em diante. Assim, envio-te um abraço.

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Caro Paulo,

no "Retrato do Artista Quando Jovem", Joyce dá-nos conta de uma personagem que, no final de um percurso exemplar num colégio de jesuítas, convidado a ordenar-se padre, recusa por não se rever "naquilo". Os professores admiram-se: pis se ele dominava tão bem a matéria...
A personagem explica-se: sendo competente, demonstrava apenas que percebia bem o que "eles" eram e pretendiam; e podia, agora, dizer-lhes com propriedade (com autoridade intelectual), que não se revia "naquilo".
Às vezes, quando a burocracia (a inevitável e, hélas, a evitável) nos agride, Joyce visita-me, como uma melodia triste. Mas, como diz a minha querida Mãe, atrás de tempos, tempos vêm - e o homem é um animal com esperança.

Abraço.

JJC