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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Viúvo & Fruta (Zona de Perecíveis 5)


Um velho viúvo aprecia demoradamente a fruta
Como se aquele momento fosse a última oportunidade
De uma maçã boa.
Quem sabe a quantidade de linguagem por dentro dele?
Quantos nomes, lugares, dias à roda do gesto adiado?
Ele recolhe uma certa maçã caída sobre laranjas
E cheira-a
Eventualmente íntimo da glucose potencial do fruto
Ou da memória geográfica da árvore mãe.
Talvez o viúvo tenha poucos dentes e coza esta maçã
Com água e açúcar
(e talvez a sua solidão seja menor depois do caldo).
Talvez o viúvo esteja reformado já do paladar.
Talvez o viúvo da fruta seja simplesmente doido.
Mas ele está no meu poema, faz parte
Desta zona de perecíveis
Que (d)escrevo.

Ribeira de Pena, 20 de Fevereiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Uma primeira versão deste poema foi escrita em 2007. A pintura (“A Dança”, de Bruegel, séc. XVI) foi colhida, com a devida vénia, em http://comunidade.sol.pt.]

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