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Número de Ondas

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O senhor Cesário da contabilidade (Zona de Perecíveis 4)


À terça-feira chegam camiões
Carregados de fruta e de legumes frescos.
Viajam ainda com o cheiro materno da terra
E por horas conservam sinais do vento, da chuva, do sol.
Amontoados são uma discussão de cores e de brilho
Um debate sobre o lado visual da beleza
Um quadro súbito na secção dos perecíveis.
O senhor Cesário da contabilidade ri-se muito
Das semelhanças entre os vegetais e os humanos
Mas eu o que vejo é mais geral, quero dizer,
Possibilidades em cada coisa de outra coisa –
Por exemplo, as laranjas como crias do sol
Mal ainda abrindo os olhos.
O feijão verde como serpentinas brincando
Ao carnaval.
As cerejas como arrecadas africanas ou minhotas.
As maçãs como bolas de cristal muito feiticeiras.
As cenouras como estrelas cadentes na interrupção
Do voo.
As cebolas como polvos tímidos gemendo
Por mar.
Os tomates como narizes de palhaços
Em loja chinesa.
Visto tudo quanto transdigo pelas nove da manhã
Pode tratar-se de uma tela imorredoira.
Mas pela tarde não é assim já
No devir do relógio e do consumo:
As frutas e os legumes desaparecem
(ou deles a frescura)
Para lado nenhum.
A admiração regressará na próxima terça-feira
De camioneta.

Ribeira de Pena, 19 de Fevereiro de2011.
Joaquim Jorge Carvalho
(Uma primeira versão des poema foi escrita em 2007. A pintura ("Natureza morta com prato com cerejas") é de Cézanne.]

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