terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Versos, a vida
O pai morreu. O telefone interrompeu o sábado
E o meu irmão chorou o primeiro verso:
O pai morreu.
Minha mãe trabalhava nos têxteis.
Fazia colarinhos em camisas lisas
Até lhe doer o pescoço.
Depois, o silêncio.
O silêncio inteiro desde a manhã
À noite de domingo. Até agora. O silêncio
Dos nossos olhos cheios de nada. O silêncio
Funcionário de velar. O silêncio
Depois da morte.
Meu pai confundiu-lhe as olheiras
(Do cansaço)
Com a sombra romântica das apaixonadas.
Ela soube do homem com brilhantina
À hora de cruzarem as seis horas.
Minha mãe disse: é a vida.
E éramos todos velhos ali –
Perdidos na rua final de tudo.
Minha mãe não era então ainda a minha mãe.
Mas a rouquidão masculina e o tony de matos
Sacrificaram nela a virtude à impaciência:
Meu irmão nasceu primeiro e eu depois.
Minha mãe tem diabetes e muita tristeza:
A doença faz-lhe mal aos olhos
E ao coração.
Versos, a vida.
O último verso é aqui
O pai morreu.
Ribeira de Pena, 15 de Fevereiro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[Uma primeira versão do poema foi escrita no ano de 2007.]
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