Amo muito as pessoas que amo
(Não há, creio, outra forma de amar senão esta
Com o advérbio muito sempre vizinho do verbo –
E nenhum problema vejo nessa intensa condição amatória)
Mas amo excessivamente as pessoas que amo mais
Que todas
E sangro todos os dias de mais pelo excesso de saudades
De elas não estarem fisicamente ao pé de mim amando-as.
Todos os dias é como se morresse por temer que se vão.
Todos os segundos, incluindo os dos meus frágeis sonos, doem.
Morro antes de morrer por não suportar a ideia de Fim um dia
(Conhecendo contudo essa fatalidade insuportável de haver fim:
O meu pai, o José Manuel, o Mestre João, a minha infância)
E quase me apetece a morte para não a sentir mais, isto é
Para, morrendo, haver enfim a morte da morte, isto é
O amor simplesmente, que era o meu destino verdadeiro
Antes de o mundo se complicar tanto, se sujar tanto, se estragar
Tanto.
Era uma vez o meu pai a cantar uma música do tony de matos
E a minha mãe a chegar da praça com peixe couves fruta pastéis
Um livro (para mim que estou felizmente doente e tenho estes mimos)
E a televisão a começar ao meio-dia com a mais louca corrida do mundo
E ruídos de carros, de vozes (gargalhadas de algum operário da Renault)
E lá fora o cão Dick a ladrar, como sempre, como amanhã decerto, isto é
O tempo repetindo-se igual e simples sem mudanças, sem fim obrigatório.
Era uma vez a Eternidade, aquela certa terna eterna idade.
A verdade do apocalipse chega-me quarenta anos atrasada
Muito outra da catequista sensual do Bairro do Brinca, rapariga
Terna e paciente, que cheirava a flores e gostava da minha escrita
(Os meus primeiros prémios literários foram as suas mãos sobre
O meu cabelo, a sua voz doce elogiando-me, o talvez pecado
Dos seus olhos amarando nos meus, ou vice-versa):
Inferno, mãezinha, é haver morte. E o céu é não bem
O presente, mas aquele tempo em que estivemos já, lembras-te -
Era a nossa Casa antiga, essa concha anti-nuclear que cheirava
A café e a torradas logo pela manhã, a tua voz embalando o Nelo
A Fátima muito loira e bonita com uma bandoleta branca
O Tó sonhando com motos e carros ao lado do pai, e eu
Muito precocemente assustado com a possibilidade de algo mudar
(Eu contra o Tempo, muito antes de perceber que havia inferno),
Mãezinha.
Acordei hoje cheio de saudades e de raiva contra o verbo morrer.
Escrevo como quem diz palavrões e faz figas.
Está um Dezembro frio na avenida da Noruega, em Ribeira de Pena.
A puta da morte que me saia da frente, pá, e me deixe ver ainda
O sol que há!
Ribeira de Pena, 18 de Dezembro de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem (já utilizada neste Muito Mar em ocasião anterior) reporta alguma tarde na Praia de Mira, aí por 1969.]
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