Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

domingo, 18 de dezembro de 2011

Versos sobre a eterna idade

Amo muito as pessoas que amo (Não há, creio, outra forma de amar senão esta Com o advérbio muito sempre vizinho do verbo – E nenhum problema vejo nessa intensa condição amatória) Mas amo excessivamente as pessoas que amo mais Que todas E sangro todos os dias de mais pelo excesso de saudades De elas não estarem fisicamente ao pé de mim amando-as. Todos os dias é como se morresse por temer que se vão. Todos os segundos, incluindo os dos meus frágeis sonos, doem. Morro antes de morrer por não suportar a ideia de Fim um dia (Conhecendo contudo essa fatalidade insuportável de haver fim: O meu pai, o José Manuel, o Mestre João, a minha infância) E quase me apetece a morte para não a sentir mais, isto é Para, morrendo, haver enfim a morte da morte, isto é O amor simplesmente, que era o meu destino verdadeiro Antes de o mundo se complicar tanto, se sujar tanto, se estragar Tanto. Era uma vez o meu pai a cantar uma música do tony de matos E a minha mãe a chegar da praça com peixe couves fruta pastéis Um livro (para mim que estou felizmente doente e tenho estes mimos) E a televisão a começar ao meio-dia com a mais louca corrida do mundo E ruídos de carros, de vozes (gargalhadas de algum operário da Renault) E lá fora o cão Dick a ladrar, como sempre, como amanhã decerto, isto é O tempo repetindo-se igual e simples sem mudanças, sem fim obrigatório. Era uma vez a Eternidade, aquela certa terna eterna idade. A verdade do apocalipse chega-me quarenta anos atrasada Muito outra da catequista sensual do Bairro do Brinca, rapariga Terna e paciente, que cheirava a flores e gostava da minha escrita (Os meus primeiros prémios literários foram as suas mãos sobre O meu cabelo, a sua voz doce elogiando-me, o talvez pecado Dos seus olhos amarando nos meus, ou vice-versa): Inferno, mãezinha, é haver morte. E o céu é não bem O presente, mas aquele tempo em que estivemos já, lembras-te - Era a nossa Casa antiga, essa concha anti-nuclear que cheirava A café e a torradas logo pela manhã, a tua voz embalando o Nelo A Fátima muito loira e bonita com uma bandoleta branca O Tó sonhando com motos e carros ao lado do pai, e eu Muito precocemente assustado com a possibilidade de algo mudar (Eu contra o Tempo, muito antes de perceber que havia inferno), Mãezinha. Acordei hoje cheio de saudades e de raiva contra o verbo morrer. Escrevo como quem diz palavrões e faz figas. Está um Dezembro frio na avenida da Noruega, em Ribeira de Pena. A puta da morte que me saia da frente, pá, e me deixe ver ainda O sol que há! 

Ribeira de Pena, 18 de Dezembro de 2011. 
Joaquim Jorge Carvalho 
[A imagem (já utilizada neste Muito Mar em ocasião anterior) reporta alguma tarde na Praia de Mira, aí por 1969.]

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