Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

quinta-feira, 31 de março de 2011

A Palavra Vale


José Tolentino Mendonça é um excelente poeta, que é também professor, que é também padre. A ordem não interessará muito, neste caso. Este homem cruzou-se com a minha existência quando, em 2000, eu andava a estudar Ruy Belo, no âmbito de um mestrado em Estudos Portugueses. Soube, então que Tolentino Mendonça era um dos maiores especialistas da poesia de Belo e um seu prefácio a, salvo erro, Aquele Grande Rio Eufrates iluminou-me como uma manhã.
Soube também que é, como a minha mulher, natural de Machico e, finalmente, tive ainda a honra, já em 2010, de vencer o Prémio Literário de Poesia Francisco Álvares de Nóbrega, patrocinado pela Junta de Freguesia machiquense. Ora, do Júri que escolheu o meu voluminho A Palavra Vale fez parte este madeirense grande.
Comprei, no dia 26 deste mês, o jornal I apenas porque, na primeira página, se prometia uma entrevista de José Tolentino Mendonça à jornalista Maria Ramos Silva. Ainda bem, senhores, que fiz tal compra!
Da longa conversa (páginas 44-47), respigo algumas passagens que decerto contribuirão para tornar mais profundas e límpidas as águas do meu (nosso) Muito Mar. Por facilidade de exposição, recorro à numeração cardinal.

1. Sobre a ideia de conhecer
«A palavra “conhecer” quer dizer “nascer com” e o acto de nascer é sempre espiritual. Porque nascemos com vários sentidos, sempre. Esta hora para nós pode ser uma hora de nascimento, a hora em que o leitor está a ler estas palavras. Penso que a espiritualidade se liga, de facto, a uma procura de conhecimento, que não é unívoco, ou simplesmente empírico. É uma espécie de abertura, de colocar-se perante o aberto do mundo.»


2. Sobre acção e contemplação
«[Eu] não tenho essa ideia de estar envolvido num activismo, ou muito preocupado com a produtividade. Talvez porque em cada dia reservo um espaço significativo para a contemplação, para a escuta, para o silêncio. Isso gera, de facto, uma fecundidade na acção, mas que não é activismo.»


3. Sobre a atenção
«A atenção é a atitude espiritual mais importante. E muitas das coisas que aprendemos em si mesmas não têm um valor por aí além, mas servem para treinar para a atenção. Lembro-me de um texto de Simone Weil sobre o estudo escolar. Há muita coisa na nossa formação que se revela sem grande utilidade, mas naquele momento ajudou-nos a construir uma atenção. E isso é o grande valor que cada um de nós transporta. Acredito muito naquilo que os padres do deserto diziam, que o grande pecado é a distracção.»


4. Sobre o ofício da escrita e a noção de testemunha
«Há que organizar […] as sensações, e anotá-las. Mas penso que caminho no mundo como uma testemunha e que essa é a função de cada um de nós. Caminhamos não apenas como espectadores, mas como testemunhas, do sofrimento e do esplendor do mundo.»


5. Sobre uma ideia renovada de sagrado
«Acho que os textos sagrados não se esgotam na Bíblia. A Bíblia é um território sagrado, mas há novos textos sagrados. O poema [cita “Mesmo quando eu me esqueço de Deus / Lembro-me de Deus”] do Rui Belo é um texto sagrado.»


6. Sobre Deus e palavra(s)
«Estes dias dei comigo a pensar […]: o que é ter fé? É ter fé em Deus, mas também ter fé na palavra. É acreditar que uma palavra nova, [ou] uma palavra comum, pode estar inesperadamente investida de uma força maior. Quem diz uma palavra, diz um gesto. Um cumprimento entre duas pessoas…»


7. Sobre o ofício caminhante (literal e metafórico)
«São Francisco de Assis dizia que caminhar a pé é já rezar. Se for assim, já tenho rezado muito. Há itinerários de que gosto muito. O jardim das Amoreiras, Campo de Ourique. Lisboa é tão bonita e diversificada. Sempre um espanto que nos é oferecido. Nunca regressamos pelo mesmo caminho por onde partimos.»


8. Sobre o seu hábito de citar outros autores
«É um sentido de comunidade. Se for uma muleta, não gosto, porque gosto de ser original. Cada um deve ter um pensamento com consciência própria, mas ao mesmo tempo é importante o testemunho do que se vive em companhia. A Adília Lopes diz: “Eu sou uma obra dos outros.” Também sinto isso, por isso não me custa nada lembrar o que os outros disseram, porque também eu sou uma obra deles.»


Um dia, julgo (espero) eu, vou apertar as mãos deste conterrâneo da MP. Mas, antes desse dia, José, fica já inscrito este abraço cúmplice e grato.

Ribeira de Pena, 31 de Março de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

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