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Número de Ondas

domingo, 20 de março de 2011

O Teu Nome Flutuando no Adeus


Passei parte de Sábado e Domingo num encantamento grato. A minha colega Olívia Sofia Coutinho emprestou-me um livrinho intitulado O Teu Nome Flutuando no Adeus (Lisboa, Ed. Oficina do Livro, 2003). Traduzido por Luísa Diogo e Carlos Torres, o volume compreende histórias (supostamente autobiográficas e falando da intemporal questão de amor & perda) de nove eméritos escritores da língua espanhola: Alicia Giménez Bartlett (Espanha), António Sarabia ((México), Horácio Vásquez-Rial (Espanha), José Manuel Fajardo (Espanha), José Ovejero (Espanha), Luis Sepúlveda (Chile), Mario Delgado Aparaín (Uruguai), Mempo Giardinelli (Argentina) e Nuria Barrios (Espanha).
Nos próximos dias, deverei escrever novamente sobre alguns dos contos que o livro oferece. Por hoje, não resisto a falar-vos de “O musguinho na pedra”, de Antonio Sarabia. O autor reporta-nos lembranças da sua adolescência e, à boleia desse exercício, conta-nos a história de um amor por certa rapariga perfeita que tinha, entre outras especificidades, a notável qualidade de não existir.
Explico-me. O protagonista fartar-se, em certa tarde da sua juventude, de ver os amigos exibindo namoradas, e de os ouvir falar das suas proezas lírico-eróticas, e de lhes suportar questões sobre a sua (do autor) própria vida afectiva, sempre com remoques suspeitosos sobre a (in)virilidade de quem não namorava ainda. Um inferno! Por isso, decide inventar uma certa “Inés” - e da sua relação com a dita vai-lhes dando conta, dia a dia, aportando pormenores narrativos esforçadamente verosímeis.
O cuidado no fabrico da ficção vai ao ponto de o protagonista procurar, na cidade onde vive, uma casa ideal para Inés morar, e de também aí conhecer – ao longe – os pais da amada, o carro da família, o cão (a que chamará Matías).
De episódio em episódio, a narrativa evolui para um namoro sério, uma dedicação grande, uma paixão profunda. O autor, por não ser capaz de ultrapassar o que o decoro e o amor suportam, decide pôr um fim a esta relação: a amada fictícia partiria, subitamente, devido à transferência de seu pai para um lugar distante…
Para cumprir o seu papel de amador abandonado, ele vai ainda até à “casa de Inés”. Por ironia cósmica, o edifício está nesse dia fechado, as cortinas corridas, o carro e o cão ausentes. A realidade bate certo com a narrativa interior. E o jovem apaixonado acaba, senhores, por chorar lágrimas verdadeiras.
Não vejo este conto, sublinho, apenas como uma simples habilidade retórico-estilística. Entendo-o como uma confirmação do que profundamente defendo acerca da narrativa: a matéria narrada, mais do que um enunciado sobre a vida, é também – ela própria – vida tout court.

Ribeira de Pena, 20 de Março de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho

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