terça-feira, 18 de maio de 2010
Hoje Jogo Eu
Esta era uma rubrica do velhinho “A Bola”, muitas vezes território para crónicas maravilhosas de Carlos Pinhão, um grande escritor e um grande jornalista. Tomo o nome de empréstimo para, hoje, desabafar um bocadinho em matérias futebolísticas. Divido esta croniqueta em pontos, com subtítulos indicativos.
1. MOURINHO:
Os patrioteiros do nosso país acham que José Mourinho é um herói universal. Como em todas as grandes e populares mentiras, esta ideia tem um bocadinho de verdade. O setubalense já demonstrou, ao longo de cerca de uma década, que é um extraordinário líder, com personalidade, carisma, sentido de responsabilidade, invulgar sentido estratégico, poder comunicativo e gestão psicológica dos seus jogadores. Em relação à presente época, o Inter ganhou com mérito a liga italiana e, graças a um vergonhoso ferrolho (em Barcelona) e à mão amiga de Olegário Benquerença (em Milão), está na final da Champions. Pode, aliás, vir a ser campeão europeu, mas essa circunstância não apaga, na memória de quem ama o Futebol, a injustiça que caiu sobre os espanhóis da Catalunha.
Para se ter a noção da fragilidade do argumentário de quem (só) vê em Mourinho o melhor do mundo “porque ganha e pronto”, basta pensar que uma derrota na final, lida com essa superficialidade, fará do treinador interista ou do treinador do Bayern um mau treinador “porque perdeu”. Seria justo?
Os burros cheios de certezas absolutas e cheios de pátria da boca para fora, como é habitual, verão numa opinião como a minha uma espécie de traição a Portugal. Bondosamente explico a essa gente que o meu país, neste caso, é o Futebol, e é nessa perspectiva que, respeitando embora Mourinho, não conseguiria nunca preferir o futebol do Inter em Barcelona ao futebol do Barça em Milão. Guardiola, perdoai-me a provável excentricidade, foi melhor, na Champions, do que o português.
2. QUEIROZ
É uma dor de alma aturar Carlos Queiroz em lugares de chefia. O seu futebol é tão previsível e cinzento como o de Mourinho, mas os resultados são piores. É, como dizia André Pipa no Correio da Manhã, “errático e inseguro”, mas gosta de vestir um certo fato domingueiro de critério & rigor para impressionar os indígenas. A exclusão de Quim, Rui Patrício e João Moutinho é um escândalo. Sem se rir e aparentemente sem vergonha do que dizia, explicou (?) que “Quim tinha presente mas não tinha futuro”. É, senhores, o mesmo que convocou recentemente o suplentíssimo Hilário, cuja idade deve ser a mesma do guarda-redes campeão do Benfica.
Eu sou admirador de Liedson, de Deco e de Pepe. São, em minha opinião, jogadores de selecção, mas não da selecção portuguesa. Talvez merecessem jogar na selecção do Brasil, até. (Quereis maior admiração que esta?) Subjaz à sua inclusão na equipa portuguesa a noção (pouco edificante) de que vale tudo para sermos melhores. Eu gostaria que fôssemos melhores com jogadores nacionais. Xenofobia, dirão-pensarão alguns. Mas eu quero Liedson no meu Sporting. Onde está xenofobia?
(Abro uma excepção nesta irredutibilidade, já agora: Pepe quis sempre jogar pela selecção portuguesa, excluindo à partida qualquer primitiva frustração por não ter sido chamado, antes, pelo Brasil. Mais: veio para Portugal como juvenil, completando aqui, portanto, a sua formação e sendo, de certo modo, “um produto do futebol português”.)
Ponto de ordem: até treinada por Queiroz a selecção portuguesa pode conseguir bons resultados. Para os resultadistas, aliás, que normalmente nem sequer gostam de futebol, tudo estará bem se a selecção fizer um grande Mundial (e bastará, para isso, que Ronaldo extraterrestre decida aparecer na África do Sul). Mas nada apaga estes erros queirozianos e estas queirozianas injustiças, que alguns prudentemente ignoram e só sublinharão se o Mundial “nos” correr mal.
Eu vou torcer pela equipa portuguesa. Questão de amor, talvez. Mas o amor não tem de ser cego; eu não me demito de pensar.
3. PAULO SÉRGIO:
Tenho a ideia de que se Mourinho, por alguma razão, viesse treinar esta época o Sporting, começaria por tirar da cartola, já, um “facto” que motivasse e unisse os sportinguistas. Este sentido de timing é magistralmente utilizado pelo ora treinador do Inter, sempre que necessário, e é sem dúvida uma das razões para o seu sucesso.
Paulo Sérgio, que fez muito bem em humildemente reconhecer a modéstia, por agora, do seu currículo, perdeu uma grande oportunidade de ganhar os adeptos de imediato. Bastaria que, em vez de respeitosamente considerar que Moutinho poderia ter sido seleccionado por Queirós, tivesse gritado-garantido (alto e bom som) que o seleccionador nacional é um incompetente e que Moutinho e Rui Patrício foram vítimas dessa incompetência.
Teria Paulo Sérgio perdido, talvez, algumas amizades. Mas a nação sportinguista estaria consigo.
Lembrei-me agora, já a terminar, de uma expressão inglesa que descreve bem a aguda eficácia de Mourinho: “killer instinct”. Mourinho tem; outros não têm, ou têm menos.
Ribeira de Pena, 18 de Maio de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem-supra foi colhida, com a devida vénia, em http://esporte.ol.com.br.]
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3 comentários:
Subscrevo tudo o que dizes, com algumas excepções:
Excepção nº 1 - não acho o futebol das euqipas de Mourinho cinzento; o futebol italiano é mais cinzento do que o inglês ou o espanhol, e quando se trata de conseguir o resultado que pretende Mourinho não se preocupa em jogar para o espectáculo. Mas o rigor táctico e a segurança defensiva em si mesmos são admiráveis. Também não posso ter pena do Barcelona, que no ano anterior foi tão escandalosamente beneficiado pela arbitragem contra o Chelsea (e não me esqueço da sorte incrível que geralmente tiveram quando eliminaram equipas portuguesas, incluindo o Sporting: lembras-te de um pontapé do meio da rua do Archibald que eliminou o Sporting que estava a ganhar 2-0 e a fazer uma grande exibição?).
Excepção nº 2 - O Rui Patrício não oferece segurança a uma equipa, falha demasiadas vezes... Para mim não seria jogador para a selecção. O Quim e o João Moutinho sim, assim como o Carlos Martins, por exemplo.
O resto subscrevo integralmente.
Um abraço
Paulo, obrigado por aqui inscreveres as tuas sempre sábias opiniões.
Gostaria de retorquir, se me dás licença:
1. Eu admiro o currículo e, até, aspectos da personalidade do Mourinho, atenção.
O que estava em causa, na minha crónica, era - não a escandaleira do Benquerença ou os caprichos da sorte - mas a concepção de futebol que o Inter e o Barça consubstanciam. Sou capaz de admirar ambos, mas prefiro o futebol (alegre, vistoso, de certa forma temerário) do Barça.
2. O Rui Patrício é "tão" guarda-redes, já, como o Quim e o Eduardo (ou o Beto). Os quatro são medianos, já agora. Desde o Vítor Baía que não há, em Portugal, um guarda-redes de top (nem sequer o brasileiro Helton).
Abraço!
JJC
PS (ainda para o Paulo Pinto): O Carlos Martins é um "beneficiário colateral" da magnífica carreira benfiquista em 2009-2010. Está, em minha opinião, longe de ser um grande jogador. Mas tem, é verdade, uma vantagem enorme sobre o Deco, no que à selecção nacional diz respeito: é português.
Outro abraço.
JJC
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