Bússola do Muito Mar

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Número de Ondas

sábado, 29 de maio de 2010

Auto mínimo sobre a Verdade e a Morte


CRISTO: De modo que ressuscitei, para os homens acreditarem na vida eterna.
PLATÃO: E eles acreditaram?
ZÉ POVINHO: Eu cá não acreditei totalmente, digo-vos, mas pelo sim pelo não porto-me bem…
PLATÃO: Mas que queres dizer com isso?
CRISTO: Não percebes? Este homem de boa vontade sabe, em seu coração, que o caminho do bem leva à vida eterna…
PLATÃO: E vós, Jesus de Nazaré, acreditais nisso?
CRISTO: Pois se eu próprio sou a vida eterna, Platão…
PLATÃO: A única vida eterna é a soma de todas as vidas provisórias que aos homens é dado viver.
ZÉ POVINHO: Se a conversa mete contas, retiro-me já…
CRISTO: As verdadeiras contas é meu Pai quem as faz.
PLATÃO: Mas vós já tendes idade para fazer contas sozinho.
CRISTO: Amigo grego, lamento muito que não tenhas fé. Sem esse dom, jamais poderás acreditar seja no que for!
PLATÃO: Eu acredito em algumas coisas. Por exemplo, na necessidade da verdade…
CRISTO: E na necessidade do bem?
PLATÃO: O bem é necessário, sem dúvida. Mas o bem é o mesmo que a verdade.
ZÉ POVINHO: Eu cá gostava era de viver num mundo justo!
PLATÃO: Zé, escuta-me: a justiça, o bem e a verdade são a mesma coisa.
CRISTO: Pois eu sou essa Coisa completa que tu dizes. Sou a justiça, a verdade e o bem.
ZÉ POVINHO: E por isso estais no céu... Bem dizíeis vós que o vosso reino não era deste mundo!
PLATÃO: Pois o que o mundo precisava era que o reino dos céus não fosse nos céus.
CRISTO: Tens a certeza?
PLATÃO: Sou homem. Não tenho a certeza de nada. Mas sei que a justiça, o bem e a verdade valem a pena aqui e agora, no mundo dos homens…
ZÉ POVINHO: A mim tal me parece também, Jesus… Sem querer ofender, bem entendido…
CRISTO: Mas vós os dois, dizei-me, que sabeis afinal da justiça, do bem, da verdade?
PLATÃO: Eu sei delas o que se sabe quando nos falta o que nos faz falta.
ZÉ POVINHO: Platão, explique-se lá melhor, por favor, para eu ver se estou de acordo…
PLATÃO: É simples. Sabemos algo sobre a justiça quando sentimos a injustiça…
ZÉ POVINHO: Bem pensado. Percebemos que nos faz falta o contrário do que sofremos, não é? O meu avô dizia que o remédio começa na doença…
CRISTO: Escutai-me, ambos. A única verdade, neste mundo mortal, é a morte.
PLATÃO: É esse o maior problema da humanidade, tendes razão.
CRISTO: E tu, filósofo sem fé, como o resolves?
PLATÃO: Aceitando a morte, por ser verdade a morte.
CRISTO: Ah! Resolves um problema, aceitando-o?
PLATÃO: A verdade é a verdade. A verdade resolve. A verdade nunca é um problema.
ZÉ POVINHO: Ou, como dizia o meu avô, o que não tem remédio remediado está!
CRISTO: Chega! É a última vez que vos trago comigo em passeio sobre as águas do rio Jordão.

Vila Real, 29 de Maio de 2010.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem-supra (rio Jordão) foi colhida, com a devida vénia, em wikipedia.]

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