sexta-feira, 8 de abril de 2011
Roedores
Era uma vez um homem reformado e viúvo que, por gostar tanto de ler, se esqueceu de cuidar da higiene própria e da casa.
Ao fim de alguns meses de obsessiva dedicação à leitura, a casa era um antro de odores e de lixo espalhado por corredores, quartos, cozinha, sala, biblioteca.
O que mais lhe custava era a quantidade de rataria com que sempre se cruzava, de dia ou de noite, e sobretudo o ruído que os roedores faziam devorando restos de comida ou livros.
Aos ratos que pastavam no lado da biblioteca, chamava “inteligentes”; dos outros dizia que eram “a turba”. Esta discriminação estendia-se, até, à hora da morte dos hóspedes: quando encontrava um qualquer sobre o lava-louças, na cozinha sebenta, o homem murmurava com notório desprezo: “Viveste estupidamente e morreste estupidamente, meu nabo!”
Quando encontrava um rato jazendo numa prateleira da estante, saudava-o com uma espécie de cúmplice entusiasmo: “Ah, meu maganão! Consolaste-te antes de morrer, hein?…”
E, folheando um livro velho muito degradado, ali a um palmo do roedor falecido, acrescentava: “ Comeste-me os doze trabalhos do Hércules e o episódio do Ciclope!”
Ribeira de Pena, 07 de Abril de 2011.
Joaquim Jorge Carvalho
[A imagem foi colhida, com a devida vénia, em http://cristina-projecto1.wikispaces.com.]
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